Carlos Brickmann, 26 de fevereiro de 2013
Há
certas coisas difíceis de entender.
Um
jornalista (que trabalha numa grande empresa, das mais atacadas pelos fanáticos
que se consideram de esquerda), proclama seu orgulho de ser intolerante e
fundamentalista. Outro jornalista diz que, como petista, considera o senador
Eduardo Suplicy, fundador do PT, "meio tucano". Outro jornalista
sugere que se vá a uma comunidade pobre e se verifique o que é que seus moradores
preferem: saúde, alimentação ou liberdade de expressão. E conclui que ninguém
ali estaria tão preocupado assim com a liberdade de expressão. Portanto, Cuba é
ótima.
Houve
época em que multidões de italianos aceitaram a ditadura fascista porque o
ditador Benito Mussolini fez os trens andarem no horário. Mas não era contra
esse tipo de pensamento que a esquerda se colocava?
Toda
essa exacerbação ocorreu há poucos dias, com a visita da blogueira cubana Yoani
Sánchez ao Brasil. Houve, entre as cenas horrorosas de tentativa de intimidação
da blogueira, de promoção de tumultos e gritarias para impedi-la de falar,
algumas coisas até engraçadas. Por exemplo, um senhor de meia idade, com
quarenta e muitos ou cinquenta e poucos, que se jogasse futebol estaria entre os
masters, vestindo a camiseta da UJS - União da Juventude Socialista.
Qual
a essência do problema? Yoani faz restrições ao regime cubano; e os que
tentaram impedi-la de falar não podem aceitar que alguém critique um regime tão
maravilhosamente perfeito nem seus líderes geniais. Surgiram então as acusações
(as de costume: "agente da CIA", "enviada do imperialismo
ianque"), as perguntas ("quem é que paga a viagem?", "que é
que ela acha da base de Guantánamo?"), os comentários sexistas ("esta
mulher é o cão chupando manga", "não existe cabeleireiro em
Cuba?", "em Cuba não há comida, nem liberdade, nem tesoura").
E
daí? Imaginemos que Yoani seja simultaneamente agente da CIA, da Stasi, da KGB
e do SNI. Em que é que isso tira a possibilidade de seus adversários de
desmontar sua argumentação, com argumentos racionais, educadamente? Imaginemos
que sua viagem seja paga pela Associação Internacional dos Pedófilos Anônimos.
Em que é que isso modifica suas críticas, em que é que isso prejudica a
possibilidade de contestá-la?
Nos
tempos em que havia esquerda, formada por pessoas que estudavam em vez de
gritar slogans, Rosa Luxemburgo, a grande revolucionária alemã, dizia que
liberdade é quase sempre a liberdade de quem pensa diferente de nós. E o fato
real é que tentaram impedir que Yoani tivesse a liberdade de dizer o que pensa.
Acusá-la de ser agente de quem quer que seja, de receber passagens de grupos
organizados, de receber recursos não-contabilizados, perfeito; desde que isso
seja feito civilizadamente, sem tentar impedi-la de falar.
E,
como toda atitude imbecil tem seu efeito bumerangue, a visita de Yoani Sánchez,
que deveria mobilizar pouca gente, apenas os muito interessados em conhecer
detalhes do cotidiano cubano, acabou se tornando um grande evento, um evento-espetáculo.
Quem
não sabia quem era a moça agora sabe; e sabe mais ainda, de que são capazes
seus adversários quando se sentem contrariados.
Fonte:
www.observatoriodaimprensa.com.br
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