terça-feira, 30 de setembro de 2014

O BRASIL ANEDÓTICO LXIV


SENADOR NÃO É CRIADO

Ernesto Matoso - "Coisas de meu tempo", pág. 77.

O Imperador Pedro II nutria uma aversão indissimulável à bajulação. Por isso mesmo, os homens que menos influência exerciam sobre o seu ânimo eram os da sua intimidade, principalmente os que ocupavam cargos de etiqueta na Casa Imperial.

Um destes, seu camarista, subserviente pelo cargo e pela índole, desejava entrar para a política, e apareceu como candidato de um dos partidos a uma cadeira no Senado.

Votado em primeiro lugar, foi preterido na escolha pelo monarca. Três vezes veio, ainda, na lista tríplice e três vezes foi esquecido. Conhecendo-lhe a doblez como palaciano, o Imperador sabia que esta se não coadunava com a independência e a altivez indispensáveis a um senador daqueles tempos.

Ressentido, o camarista indagou de Sua Majestade a razão de tantas preterições.

- Não tenho queixas contra o senhor, declarou o soberano.

E deixando patente o motivo:

- É que são tão importantes os serviços que me presta como "servidor da minha casa", que não quero privar-me deles!

A QUESTÃO CHRISTIE

Ernesto Matoso - "Coisas do meu tempo", pág. 61.

Era por ocasião da questão Christie, em 1862. Não tendo o governo imperial atendido a algumas reclamações descabidas da Inglaterra, iniciou esta uma série de represálias, aprisionando no mar diversos navios mercantes brasileiros. A multidão, indignada, enchia as ruas e praças do Rio de Janeiro, reclamando a reação. Até que se aglomerou diante do Paço, pedindo a palavra do soberano.

Pedro II apareceu a uma das janelas, o rosto severo.

- Calma, senhores, calma! pediu.

E a voz segura de quem não recuará:

- Confiem no meu governo e fiquem certos que, sem honra, não quero ser imperador!...

A COMENDA DO CÔNEGO BRITO

Ernesto Matoso - "Coisas do meu tempo", pág. 92.

O cônego Joaquim Camilo da Silva Brito, republicano histórico, era já admirado, como homem de grande cultura, pelo Imperador, quando Sua Majestade o conheceu pessoalmente em Minas por ocasião da sua viagem àquela província. De regresso à Corte, encantado com as demonstrações de atenção pessoal recebidas de tão ilustre sacerdote, incluiu Pedro II o seu nome da lista dos agraciados, concedendo-lhe a comenda da Ordem de Cristo.

Dias depois, aparecia nos A pedidos de uma folha da Capital a seguinte comunicação:

"AO PÚBLICO - Tendo sido agraciado pelo governo imperial com a comenda da Ordem de N. S. Jesus Cristo, um eclesiástico de nome igual ao meu, declaro, para evitar confusões, que desta data em diante, passo a assinar-me: Vigário Joaquim Camilo de Brito, com um 'l' só".

A QIJEIXA DOS TUPINAMBÁS

Jean de Lery - "História de uma viagem à terra do Brasil", ed. De 1926, pág. 154.

Quando Nicolau de Villegaignon se fixou na baía do Rio de Janeiro, em 1555, os índios tupinambás, que habitavam o litoral, achavam-se na guerra com a tribo dos maracajás, cujos prisioneiros eram todos devorados. Para impedir a continuação da antropofagia, procurava o conquistador francês adquirir por compra todos os prisioneiros, salvando-os, assim, da voracidade do inimigo.

Essa interferência do hóspede branco negócios da raça não agradava nada aos tupinambás, um dos quais se queixava, num suspiro a Jean de Lery:

- Não sei o que será de nós, de agora em diante!... Depois que Paicolás (nome davam a Villegaignon) veio para a ilha, não comemos nem a metade dos nossos prisioneiros!...

Fonte: Humberto de Campos. O Brasil Anedótico (1927).
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