João Brainer Clares
de Andrade (*)
É de se causar espanto quando um paciente nos vem
com um remédio comprado dizendo que não foi procurar no Posto de Saúde porque
“sabe que lá nunca tem remédio”. Tornou-se cômodo acreditar que a rede pública
não funciona; é fácil creditar o erro, lidar com uma rede estagnada.
Poucos países do mundo fazem esforço similar ao
brasileiro para universalizar um sistema de saúde que atenda a toda população
em todos os seus níveis de atenção. A conta nos chega travestida por centenas
de siglas que nos fazem acumular uma das mais onerosas cargas tributárias do
mundo.
A crise na saúde tão alarmada nos últimos meses é
reflexo claro de um projeto que não se atualizou: com mais de 20 anos, o SUS
não acompanhou o aparecimento de novas tecnologias em saúde e, ainda mais, não
acreditou em tamanho aumento na expectativa de vida. Soma-se ainda ao
aparecimento cada vez mais precoce de doenças crônicas, que inabilitam logo
cedo o paciente de voltar ao trabalho, gerando outra conta que nunca se fecha
na previdência. Apostaram na Atenção Básica, mas nunca ela foi de fato
prioridade; assim, a construção de hospitais de larga fachada é muito mais
palatável que pequenas unidades básicas de saúde.
Em meio a tanto caos, as boas experiências ficam em
plano secundário. É cômodo falar das precariedades, da falta de insumos, dos
problemas de financiamento e de gestão. É necessário denunciar, propor e exigir
soluções, em consonância de esforços, e não meramente um atentado gratuito a um
sistema que se força para manter a saúde.
O mesmo hospital de Fortaleza que atende a
pacientes no chão tem o maior número de especialidades médicas 24h, além de ser
referência a vários outros estados. De um lado, um retrato de guerra, na
inversão de valores; do outro, um hospital que funciona e bem assiste aos
pacientes mais graves do Estado. Não tão longe, o maior e mais complexo
hospital do Estado, o mesmo que já chegou atender mais de 100 pacientes em
macas rentes ao chão, é um dos maiores centros de transplante do país, tem
quase 40 especialidades médicas, é hospital escola da Universidade Estadual do
Ceará, forma centenas de especialistas a cada ano e tem ilhas de excelência que
dão exemplo ao próprio Governo Federal. Ali, um pouco acima do caos, reside a
maior Unidade de AVC do Brasil, com equipe multidisciplinar treinada e à
disposição 24h para atender os casos mais complexos do Estado. O modelo da
Política Nacional de AVC foi inspirado ali, uma iniciativa saudável em meio a
tanta doença.
(*) Médico residente de Neurologia – Hospital Geral de Fortaleza.
Fonte: Publicado In: O Povo, Opinião, de 19/5/2015. p.11.
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