Após mais de 20 horas, Senado aprova processo de impeachment e afasta Dilma
Felipe Amorim, do UOL, em Brasília
Dilma ficará
oficialmente afastada do cargo por até 180 dias após ser notificada da decisão
do Senado, o que deve ocorrer ainda na manhã de hoje. O processo no Senado, no
entanto, pode acabar antes dos seis meses. Se for considerada culpada, ela sai
do cargo definitivamente e perde os direitos políticos por oito anos (não pode
se candidatar a nenhum cargo). Temer será o presidente até o fim de 2018. Se
for inocentada, volta à Presidência.
Para que o
processo que resulta no afastamento da presidente fosse instaurado, eram
necessários ao menos 41 votos (maioria simples) favoráveis.
Esta é a
segunda vez em 24 anos que um presidente da República é afastado
temporariamente para julgamento após uma decisão do Senado. Em outubro de 1992,
o Senado abriu o julgamento do então presidente Fernando Collor de Mello, na
época filiado ao PRN.
Collor
renunciou antes de ser julgado. Mesmo assim, teve seus direitos políticos cassados
pelo Senado por oito anos. Em 2014, o STF (Supremo Tribunal Federal) o absolveu por
falta de provas.
Sem cartazes, votação no Senado foi tranquila
Os senadores
discursaram por quase 20 horas. A primeira a falar, Ana Amélia (PP-RS), começou
às 11h20 da quarta-feira. O último, Raimundo Lira (PMDB-PB), terminou às 5h45
da quinta-feira. Depois de encerrado o debate, o relator da comissão do
impeachment no Senado, Antonio Anastasia (PSDB-MG) falou por 15 minutos,
seguido pelo ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo,
que falou pela defesa de Dilma.
O clima no
Senado foi de mais tranquilidade em relação ao dia em que a Câmara votou a
admissibilidade do impeachment. Durante as longas horas de
sessão, o aspecto era de um dia normal do Senado, sem
faixas no plenário, ao contrário da Câmara, onde havia cartazes com os dizeres
"tchau, querida" e
deputados usando cachecóis com inscrições contra ou a favor do impeachment.
Enquanto os
oradores subiam à tribuna para falar, o plenário, distraído, mantinha conversas
amistosas entre os senadores. O barulho do bate-papo levou o presidente do
Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a pedir silêncio
mais de uma vez.
Apesar da
segurança reforçada e da repetição do muro no gramado do Congresso Nacional
para conter protestos, o número de manifestantes foi bem menor que no dia 17 de
abril, quando a Câmara aprovou o impeachment. Do lado de fora, a Polícia
Militar do Distrito Federal jogou bombas de gás em manifestantes
contrários ao impeachment. Foram pelo menos dois confrontos
em momentos distintos e dezenas de pessoas passaram mal. Dois manifestantes
tiveram de ser atendidos em ambulâncias no local.
A SSP-DF
(Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal) estimou em 4.000 o número
de manifestantes contrários ao impeachment e em 1.000 o de favoráveis ao
afastamento de Dilma. Os grupos começaram a se dispersar por volta das
22h40.
Dentro do
Senado, a circulação nos corredores foi restrita e assessores e jornalistas
precisaram de credenciamento especial para assistir à sessão.
Mas a tensão
entre governo e oposição que marcou os debates na Câmara não se repetiu. Não
houve vaias ou gritos de guerra no plenário, que em alguns momentos chegou a
ficar esvaziado enquanto senadores discursavam.
Enquanto na
Câmara os deputados tiveram 30 segundos para anunciar seu voto, no Senado foram
15 minutos de discurso. Ainda assim, foram ínfimas as citações a Deus, aos
familiares e à respectiva terra natal dos senadores, diferentemente do ocorrido
entre os deputados.
Enquanto
senadores da oposição reforçaram o discurso de que Dilma de fato cometeu crimes
de responsabilidade que aprofundaram a crise econômica, parlamentares
contrários ao impeachment voltaram à acusação de que a deposição da presidente
seria um "golpe de Estado", pois os
fatos narrados pela acusação não configuram crimes puníveis com o impeachment.
Primeira a
discursar na sessão, Ana Amélia (PP-RS) também foi a primeira a anunciar voto
favorável ao impeachment. "São graves,
portanto, os fatos imputados contra a Senhora Presidente da República", disse.
"O que isso provoca? A sociedade já
poderia responder: 11 milhões de desempregados, a taxa básica de juros está em
quase 15%, a inflação está em 9,28%", afirmou a senadora.
Presidente do
PSDB, principal partido de oposição, o senador Aécio Neves (MG), derrotado por
Dilma nas eleições de 2014, disse que o vice-presidente Michel Temer "não tem que se preocupar com a popularidade", ao
tomar medidas que possam não agradar a população.
Em discurso
durante a sessão do Senado, Aécio defendeu que Temer faça um ajuste fiscal e
"enfrente questões" como a previdenciária, a "modernização da
legislação trabalhista" e uma reforma política que limite o número de
partidos. Ao encerrar, o tucano afirmou que o Senado inicia nesta quinta-feira
um "futuro melhor para o país".
O primeiro
senador a defender o mandato de Dilma, Telmário Mota (PDT-RR) defendeu que os
movimentos contrários ao impeachment continuem a realizar manifestações, mesmo
após o afastamento da presidente. "Vamos
voltar às ruas. Não vamos deixar o povo brasileiro ser enganado". Mota
falou ainda em "golpe branco" contra a
presidente, "por não usar armas de fogo, mas a caneta, os conchavos, os
oportunismos, as traições", disse.
Próximos passos
O senador
Romero Jucá (PMDB-RR), um dos principais aliados e provável ministro no governo
Temer, afirmou que Dilma deve ser notificada da decisão do Senado às 10h desta
quinta-feira (12), e Temer, às 11h. Após ambos serem notificados, Temer assume
interinamente a Presidência da República.
Segundo Jucá,
os novos ministros do governo Temer devem assumir os cargos já na tarde desta
quinta-feira. "Não há vazio de poder", afirmou o senador, que é
cotado para assumir o ministério do Planejamento.
Com o processo de impeachment aberto, terá início a discussão e análise da
denúncia contra Dilma. Haverá apresentações da acusação e da defesa. Nesta
fase, a ação tramita sob o comando do presidente do STF (Supremo Tribunal
Federal), Ricardo Lewandowski.
O processo
culminará com o julgamento final dos senadores, em votação nominal e aberta no
plenário. Dilma será afastada definitivamente da Presidência se dois terços do
Senado (54 dos 81 senadores) decidirem que ela cometeu crime. Nesse caso, o
vice-presidente, Michel Temer (PMDB), governará até o fim deste mandato.
Ministros devem pedir demissão; Dilma promete resistir
Em ato
programado para reformar a acusação de que o impeachment é um "golpe", os ministros do governo Dilma Rousseff
anunciaram um pedido de
demissão conjunto, logo após a aprovação da decisão do
Senado.
À exceção dos
ministros Alexandre Tombini (presidente do Banco Central) e Ricardo Leyser
(interino dos Esportes), todo o primeiro escalão do governo Dilma deve entregar
os cargos. Tombini e Leyser serão mantidos para evitar sobressaltos na economia
e na organização da Olimpíada do Rio.
Mesmo afastada,
Dilma pretende se defender no Senado para retomar a Presidência. Sua defesa deve
ser feita por José Eduardo Cardozo, atual advogado-geral da
União, mas que deve perder o cargo com a posse de Temer.
Cardozo, aliás,
foi o responsável pelo recurso encaminhado à Câmara que gerou a anulação das
sessões que definiram o avanço do impeachment na Casa. Essa anulação
foi decidida pelo presidente interino da Câmara, deputado Waldir Maranhão
(PP-MA). A decisão, porém, foi considerada intempestiva
(fora de hora) pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que deu
continuidade à tramitação do impeachment.
Da votação da
Câmara à votação no Senado, Temer, por sua vez, intensificou discussões para
montagem de seu governo. Seu partido, o PMDB, já havia
decidido deixar o governo de Dilma dias antes da votação dos deputados.
Integrantes da legenda, então, passaram a negociar postos já antevendo um
governo interino.
Outros
partidos, como o PP e o PSD, também já desembarcaram do governo Dilma e
negociam participação no governo Temer. O PSDB, partido de oposição, deve
aderir ao governo interino e assumir ao menos um ministério.
Acusação e defesa
Dilma é acusada
de cometer crime de responsabilidade, previsto na Lei do Impeachment (lei
1.079/1950), ao autorizar supostas manobras contábeis chamadas de pedaladas
fiscais. Elas se caracterizam pela prática do Tesouro Nacional de atrasar
intencionalmente o repasse de dinheiro para bancos (públicos e privados) e
autarquias (por exemplo, o INSS) a fim de melhorar artificialmente as contas
federais.
Segundo os
autores originais do pedido de impeachment da presidente, os juristas Hélio
Bicudo, Miguel Reale Jr. e a advogada Janaina Paschoal, as "pedaladas fiscais" teriam sido praticadas em
2014 e reeditadas em 2015, já no segundo mandato de Dilma.
Os juristas
também apontam crime de responsabilidade da presidente na edição de seis
decretos autorizando despesas extras num total de cerca de R$ 2,5 bilhões, em
27 de julho e 20 de agosto de 2015, sem a autorização do Congresso.
A defesa da
presidente nega a existência de crime e, por isso, diz que o impeachment é um
golpe. Segundo a defesa, o atraso no repasse de dinheiro a bancos, por exemplo,
é prática comum em esferas do Poder Executivo e não é grave a ponto de
interromper o mandato de um presidente eleito democraticamente.
O governo
argumenta também que as contas relativas a 2015 ainda não foram nem sequer
avaliadas pelos órgãos de controle e, portanto, não pode haver crime
antecipado.
Trâmites do processo
O pedido de
impeachment que tramita no Congresso é baseado na denúncia de que "houve
uma maquiagem deliberadamente orientada a passar para a nação (e também aos
investidores internacionais) a sensação de que o Brasil estaria economicamente
saudável", como escrevem seus autores.
O processo foi
acolhido no dia 2 de dezembro do ano passado pelo então presidente da Câmara
dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O ato foi recebido pelo governo como
ato de revanche de Cunha, em reação à abertura de processo de cassação de seu
mandato no Conselho de Ética da Câmara.
No último dia
5, o mandato de
Cunha acabou suspenso por decisão do STF antes de uma
decisão do conselho.
O rito do
impeachment (norma que a tramitação deve obrigatoriamente seguir no Congresso)
foi motivo de embate entre Legislativo e Judiciário, com a decisão sendo
regulamentada pelo STF.
A denúncia que
chegou nesta quarta ao plenário do Senado já obedece às etapas determinadas
pelo STF. Ela foi aprovada em comissão especial da Câmara por 38
votos a favor e 27 contra, pelo plenário da
Casa por 367 a 137, e na comissão
especial do Senado por 15 a cinco.
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