Por Carlo Tursi (*)
No entanto, não sou
otimista: não embarco na ilusão de que tudo vai terminar bem. Sou antes
esperançoso.
A princípio, é
preciso saudar todo sonho diurno, por mais alienado e escapista que seja. Pois
aponta para além do que está aí, abre horizontes, areja. Artigo primeiro do meu
Credo: a imaginação nos foi dada para vislumbrar uma vida melhor, individual e
coletiva. Para transcender um status quo
insatisfatório, precário, injusto.
Há 30 anos, escolhi
viver neste país. No entanto, ainda consigo imaginar um Brasil melhor do que
temos conseguido construir nessas três décadas. Sem dúvida, acabei me
acostumando um bocado, imitando meus vizinhos, com as tantas mazelas sociais e
o descalabro da gestão pública. Talvez o lento transitar para a indiferença
faça parte da enculturação... Contudo, meu sonho está vivo, minha utopia
continua de pé: tenho esperança de ver o Estado Brasileiro assumir, de vez e
não titubeante, a responsabilidade pelo bem-estar social, corrigindo a gritante
desigualdade de chances e oportunidades entre nós. Repudio a tese de que todo
político é corrupto, que a cultura política brasileira é irremediavelmente
patrimonialista, condenada a confundir para sempre o público com o privado.
Não aceito ser
preciso consumir desenfreadamente para manter girando a roda de uma economia
que não funciona “para que todos tenham vida, e vida plena”, mas busca apenas
lucro. Creio ser possível uma democratização do acesso aos bens fundamentais
para a vida coletiva: à terra, à água, à energia. Prefiguro uma cidade com menos
carros, mais ciclistas, pedestres e um bom transporte público.
No entanto, não sou
otimista: não embarco na ilusão de que tudo vai terminar bem. Sou antes
esperançoso: percebo, na teia da realidade, as condições embrionárias para que
a superação da atual crise sistêmica aconteça em direção ao aprofundamento das
nossas conquistas sociais. Registro, angustiado, também a possibilidade real do
retrocesso: Estado do “vigilante noturno” e do laissez-faire econômico,
precarização dos direitos trabalhistas, fundamentalismo cristão na esfera
pública, acirramento do ódio ideológico.
Preciso me engajar,
então, pelo projeto de futuro em que acredito. É o que distingue a razão
utópica dos meros devaneios, das fantasias irreais: conhecimento lúcido de um
ainda-não-concretizado, a espera de potenciais realizadores. Visionários
sóbrios: cabeça nas nuvens, pés no chão. Docta
spes – esperança esclarecida, pensante – dizia Ernst Bloch. Sou partidário
dela.
(*) Professor e teólogo alemão.
Fonte: O Povo, de 17/01/2016.
Opinião. p.9.
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