segunda-feira, 31 de julho de 2017

COMPOSIÇÕES POÉTICAS DE QUINTINO CUNHA II


Entre Nuvens 
Por Quintino Cunha 

Ameaça chuva. O pássaro na rama
Vem de ocultar-se. Agora permanece
A sombra do covil. Tudo parece
Triste como a saudade de quem se ama 

Enquanto o Céu apenas se recama
De nuvens, não; mas, quando se incandesce
De um relampear profundo, a chuva desce,
Por fina força a chuva se derrama. 

Em nós outros também o tempestivo
Amor é assim como este quadro vivo,
Que, há pouco, a natureza dominava. 

Falo por mim, tirando por Maria;
Pois, quando na minh'alma relampeava,
Nos seus olhos, tristíssimos chovia! 

Aracoiaba  
Por Quintino Cunha 

Grande pedra partida, altaneira,
Bem ao meio, por onde fugindo
Porção d'água da fresta, saindo
Cai n'areia, fazendo a cachoeira. 

Logo ao lado, ingazeira sombria,
Onde se ouve cantar passarinhos,
Uns por fora, outros dentro dos ninhos,
Na mais doce e morosa harmonia. 

Lindo poço ao depois que, escalvado,
Sussurrante com força represa,
E, na mais natural singeleza,
Vê-se o rio de novo formado. 

E, ao lado daquela ingazeira,
Sobre a pedra que eu disse ind'agora,
Pressurosa, sutil lavadeira
Lava a roupa de Nossa Senhora. 

Realismo
Por Quintino Cunha 

O líquido tesouro do alto desce,
Avigorando as plantas de cultivo;
Sertões e serras são banhados desse
Recurso precursor e lucrativo. 

O ânimo alegre nesse quadro vivo,
Ao mais fácil dos seres fortalece,
Embora o espesso matagal nocivo,
Venha entravar a marcha do que cresce. 

Centenas de homens do Brasil moderno,
Serena turma de aproveitadores,
Lembram plantas daninhas pelo inverno. 

Homens cujo ideal não tem raízes,
Mas que vivem, vivendo entre os valores,
Inúteis, vigorosos e felizes...  

Fonte: Ceará Moleque.

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