segunda-feira, 11 de março de 2019

ANSIEDADE E CONSUMISMO


Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
As palavras ‘consumidor e cidadão’ tornaram-se assemelhadas. Consumidor passou em muitos casos a ser sinônimo de cidadão. O presidente Michel Temer, em evento do jornal Financial Times em Nova York, afirmou que seu governo resgatou a confiança dos agentes, o que se deve traduzir em melhora dos investimentos e do consumo. “O Brasil tem momento de mudanças, com enormes oportunidades”, disse aos investidores dos Estados Unidos, ressaltando que “a recessão ficou para trás”.
Entretanto é necessário pensar que consumo é uma coisa, e consumismo é outra bem diversa. No consumo, o ato de comprar está diretamente relacionado à necessidade ou à sobrevivência. Quando se trata de consumismo, essa relação está rompida, ou seja, a pessoa não precisa daquilo que está adquirindo. O consumismo está vinculado ao gasto em produtos sem utilidade imediata, supérfluos.
A origem da tendência de compulsão pelo ato de comprar faz parte da história da humanidade, e o capitalismo atual tem que aumentar a produção de mercadorias, cada vez mais. O consumismo está ficando muito polêmico, hoje em dia, pois suas consequências são graves para a sociedade. Para o sistema atual, a produção não pode parar, já que parando não sobrevive.
As pessoas que dão alto valor para riqueza, status e bens materiais são mais depressivas, ansiosas e menos sociáveis do que as que não se importam tanto com essas questões. Elas são menos interessadas pelos problemas de sua coletividade.
Evitar os maus estímulos, como a publicidade seria quase impossível na atualidade. Ela é um dos piores males, corrompe toda qualidade e toda crítica. Instiga ao crime, com enganações. A publicidade e o consumismo fazem da pessoa um objeto, e o pior, aquele que não pode comprar uma mercadoria cai num quadro de ansiedade. O marketing impõe às pessoas uma fantasia de que a felicidade é passível de ser alcançada, e ela pode ser obtida por meio do consumo de artigos os mais variados.
O conceito de consumo dado pela ciência da economia não se restringe ao ato de comprar alguma mercadoria ou bem, visando à satisfação de determinada necessidade ou demanda. Consumir, contudo, não se resume só a essa concepção, pois atualmente o que mais se desgasta é a imagem, que poderá ser de algum artefato, um elemento quase sempre de fetiche – objeto a que se atribui poder sobrenatural ou mágico e se presta ao culto. É a imagem no outro extremo, como forma de encontrar o significado de sua própria razão de existir.
O sujeito consome, mas também é consumido, pois nessa busca pela completude não consegue satisfazer seu desejo inconsciente, um desejo de desejo, de aplacar a falta em objetos ditos pela publicidade como solucionadores dessa sensação nostálgica - uma condição médica associada à depressão e à ansiedade.
Noto que o consumo hoje em dia tomou um significado diferente do que possuía no passado. As pessoas de hoje estão perdidas no universo da globalização; as referências tradicionais estão mortas: à direita, à esquerda, às religiões - são conceitos dos mais desfocados.
E o sentimento geral das pessoas é o de ficar desorientadas. Desorientação é uma geradora de ansiedades. Mas, justamente através do consumo, as pessoas readquirem certo poder, porque comprando algo sentem um alívio, muito embora momentâneo. Acredito que o consumo se tornou algo tão importante porque, de certa maneira, elas podem exercer uma pequena autonomia momentânea. Porém, justamente através do consumo, as pessoas readquirem certo poder, mas não aplacam a necessidade de comprar. É como um tubarão que não pode parar pois, se parar, morre asfixiado.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES). Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).

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