Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
O retorno do recalcado
(recalcamento) é um processo mental ativo no qual o indivíduo tenta manter, em
nível do inconsciente, emoções, desejos, lembranças ou afetos passíveis de
entrarem em conflito com a visão que o sujeito tem de si mesmo ou com sua
relação com o mundo. Ao longo de toda a vida o ser humano atravessa estágios
que servirão de formação para o seu comportamento, caracterizados por episódios
marcantes que influenciarão as decisões que qualquer dito-cujo tomará durante a
vida.
Lembro-me de uma passagem
quando eu era estudante de medicina (graduei-me em 1958): o professor de
pediatria, ao examinar recém-nascidos, filhos ou filhas de mães indigentes (o
significado atual desta categoria de pacientes significa: paupérrima; pessoa
que não tem condições financeiras para suprir ou satisfazer as suas próprias
necessidades; miserável) ufanava-se em dizer que a nossa população está
embranquecendo (ficando mais branquinha).
Lecionava ele:
O povo brasileiro está
embranquecendo, como atesta a coloração da genitália de recém-nascidos com
maior ou menor concentração de melanina na bolsa escrotal ou nos lábios
vaginais. Imagine as sequelas causadas em falar isso para os jovens daquele
tempo, em sua maioria acadêmicos de medicina brancos ou mulatos mais clarinhos.
Resultado: O preconceito
reprimido está se declarando mais intenso neste momento de crise nacional.
Parece uma tentativa de dividir o povo brasileiro em ‘raças’, mais do que de
direita ou de esquerda, incensando o ódio entre as gentes, pondo a mostra o
recalque escondido atrás do “politicamente correto”.
Perguntar não ofende: Por que não me chamam de Euro-descente, ou melhor,
descendente?
Sei que a escravidão, do
ponto vista psicodinâmico, é tão ansiogênica para o escravo quanto para o
senhor. Deveríamos aproveitar esta crise de maneira didática e construtiva para
fazermos uma limpeza não exclusivamente política ou da corrupção. Advirto:
crise não significa, necessariamente, desgraça. Mudanças devem ser bem-vindas,
pois nos trazem lições que, se benéficas, poderão ser aproveitadas por todos.
‘Aquilo
que não me mata só me fortalece’, afirma o filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900).
Por que não aproveitamos
estes momentos de crise para progredir e limpar muitas das coisas que não
passam de cadáveres insepultos no sótão da nossa consciência histórica?
Para terminar, acredito
ser bom lembrar que a palavra crise vem do grego Krisis, termo que tem como
significado as situações e ações que ocorrem durante mudanças ou quando as
coisas estão mudando de forma que nunca mudaram. Tenham calma. A aflição
(ansiedade) não é boa conselheira. Vamos deixar de ser um dos povos com mais
cidadãos ansiosos. Menos ansiosos já seria um grande avanço. Um dos medos
generalizados dos ansiosos é o medo de ser descoberto como não sendo aquilo que
os outros pensam que ele realmente é. Isso tem tratamento. Não vale a pena se
desesperar.
(*) Professor Titular da Pediatria
da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União
Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos
(ABRAMES). Consultante
Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).
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