A prorrogação do enterro
Caixão na sala. Choro aqui e acolá. Ambiente de
tristeza a contrastar com o clima de euforia da torcida lá fora. Tempo de Copa
do Mundo - de 2006. E da morte da Mardônio, notável pinguço, que por força do
coração quengado, perderá a estreia do Brasil contra a Croácia, que começa
daqui a pouco (é dia de Santo Antônio).
João Gago e Arquimedes, melados no velório em
domicílio, lembrando Galvão e Casão, confabulam de olhos grelados no de cujus e
o pensamento no partidaço prestes a iniciar. Lamentam.
- Isso é hora lá de tu morrer, Mardônio?
- Pois num é, macho! Dia
de jogo e enterro não têm treze letras!
- A menos que Fatinha (mulher do defunto) adie o enterro
pras 18 horas.
- Do jeito que ela é doida
por futebol, ela que enfeitou a rua toda, é bem capaz...
- Em nome da torcida do finado, vamos falar com ela! E é
agora!
Os mui amigos do morto chegam verde-amarelos de
cana, desavergonhados, para fazer a proposta à viúva, com um olho no peixe e
outro no gato - chorando o morto e preparando bandeirolas. Esboçando a lucidez
que o inveterado marido poucas vezes tivera em vida, Fátima tem saída que crê
democrática:
- Vamos colocar a televisão na sala e velar. Vai?
- Por Ronaldo, sim! - sugere João Gago.
- No intervalo, nós corre
e enterra. Cemitério aqui do lado – atalha Arquimedes.
- E perder os melhores momentos do intervalo, Fátima? - contrapõe alguém.
- Vamos tentar...
Resultado: o Brasil faz seu único gol no
finalzinho do primeiro tempo. De tanta comemoração, nem Fátima nem João Gago
nem Arquimedes nem ninguém lembra mais de enterrar Mardônio no intervalo
proposto. O enterro que fica pro final da partida. Feliz com o quadrado mágico
(Gaúcho, Fenômeno, Kaká e Adriano), e vendo o caixão baixar, João Gago...
- Pois tu vai descer redondo, meu amigo!!! Leve minhas
lembranças a Garrincha!!
O pneu da kombi e a sexualidade, segundo Josué
A "casa de recursos" do Josué era das
mais concorridas. Louras, caboclas, baixinhas, cavilosas, gentis. As meninas
eram chamadas "borrachinhas". A fama varou a Fortaleza de tempos
atrás. Teresina, por exemplo, contratou as "borrachas" do Josué pra
alegrar um povo rico, pulador de cerca.
Pelo combinado, uma vez no mês, 12 delas deveriam
lá estar para 48 horas de camaradagens bem remuneradas, percorrendo quilômetros
de mau caminho. A primeira chibatada era já naquele final de semana. Mas, como
transportar o magote pra terra de Mão Santa?
A solução vem da rodada Zuzu Capota: comprar a
kombi velha de seu Ramiro, "em 10 suaves prestações de 150 contos de
réis", tal como no anúncio. Problema resolvido. Como pagar? Capota passa o
cheque:
- Com o apurado dos trabalhos no Piauí.
Assim foi feito. O lote de beldades faz a
primeira viagem. Um sucesso. Os senhores adoram o serviço. Deixam já ajustado o
próximo encontro. Na ponta do lápis, porém, a contabilidade é pouco generosa.
Apurados, líquidos, 155 contos pro cabaré. Tirante os 150 da prestação do
carro, sobram 5 contos.
- Dá nem pra pagar os pneus.
Mulheres entusiasmadas e o otimista Josué
insistindo na empreitada. E vão a segunda, a terceira e a quarta vezes a
Teresina. O lucro, como sempre, é só pra comprar pneus. Decorrido um mês,
relação custo-benefício imprópria ao futuro do cabaré, Josué convoca o plantel
de "borrachinhas" e decide:
- Vou abrir uma borracharia! Cês não pagam nem os pneus da
kombi véa!
Fonte: O POVO, de 25/01/2019.
Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos.
p.2.
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