Adolf Eichmann em Israel - Wikimedia Commons
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Neste dia (15/05), em 1961, um dos nazistas mais
procurados do mundo era julgado em Jerusalém, após uma operação intensa
Na noite de 11 de maio de 1960,
o ônibus que trazia Ricardo Klement do trabalho atrasou um pouco. Ele saltou no
ponto de sempre, bem perto de sua casa, onde Vera e os meninos o esperavam. A
região era meio deserta e afastada do centro, mas ele apreciava o isolamento.
Dobrando a esquina, viu uma limusine preta parada, com o capô levantado. Do
lado de fora, um homem checava o motor. Quando Klement passou, foi interrompido
bruscamente: "Momentito!",
disse o desconhecido, em um arremedo de espanhol.
Era
obviamente estrangeiro. Klement hesitou, e o estranho pulou em cima dele,
tentando segurar seus braços. Ele gritou, se debateu e os dois caíram no chão.
Logo surgiu um terceiro homem, depois mais outro, que dominaram Klement e o
botaram no banco de trás da limusine. O carro partiu em disparada. Então, o
motorista virou-se e disse em alemão: "Não se
mova e ninguém vai machucá-lo. Mas se resistir, atiramos".
Klement ficou em silêncio por alguns segundos. Finalmente, respondeu, também em
alemão: "Eu já aceitei o meu destino".
Naquele dia, chegavam ao fim 15 anos de fuga. O homem
magro, calvo e míope que trabalhava em uma fábrica da Mercedes-Benz e dizia se
chamar Ricardo Klement era, na verdade, um dos criminosos nazistas mais
procurados do mundo: Adolf Eichmann.
"Seu
papel principal foi coordenar as atividades práticas da implementação da ‘solução
final’", diz Efraim Zuroff, diretor da sucursal de Jerusalém do Simon
Wiesenthal Center, dedicado à caça de nazistas.
De seu escritório em Berlim, Eichmann organizava as rotas dos trens que seguiam
para os campos de extermínio. Em outras palavras, era ele quem carimbava as
passagens de homens e mulheres de origem judaica forçados a partir com destino
a lugares cujos nomes ainda hoje provocam calafrios: Auschwitz, Treblinka,
Birkenau.
Entre o fim de abril e o começo de maio de 1945, o 3º
Reich estava de joelhos e Eichmann viu que era hora de ir embora. Antes de
partir, deu à mulher Vera quatro cápsulas de veneno, para ela e cada um de seus
três filhos, Klaus, Horst Adolf e Dieter Helmut. "Se os russos vierem, mordam
as cápsulas. Se forem americanos ou britânicos, não precisa", disse. Em Ulm, no sul da Alemanha, topou com
um pelotão americano e foi levado para um campo de prisioneiros. Eichmann
afirmou ser Adolf Barth, cabo da Força Aérea alemã. Foi transferido de campo
várias vezes e sempre adotava um nome diferente. Após meses, conseguiu escapar
com documentos que o identificavam como Otto Heninger. Ele acabaria em uma
localidade rural chamada Eversen. Lá viveu alguns anos tranquilo, criando
galinhas.
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Eichmann foi acolhido por uma comunidade franciscana enquanto aguardava o momento de partir. No dia 14 de junho de 1950, o consulado argentino em Gênova lhe concedeu um visto de entrada. De seu próprio bolso ele pagou uma passagem de segunda classe no navio Giovanna C. e, em 14 de julho, desembarcou em Buenos Aires. Era o início de uma nova vida.
A caçada
Zvi Aharoni chegou a Buenos Aires em 1º de março de 1960. Sua missão:
identificar e preparar a captura de Adolf Eichmann. Viajando com nome falso e
passaporte diplomático, Aharoni era agente do Mossad, o serviço secreto de
Israel. A primeira pista sobre o paradeiro de Eichmann surgira em 1957, por
meio de Lothar Hermann, um descendente de judeus cujos pais foram mortos pelos
nazistas. Ele morara em Buenos Aires e sua filha Sylvia ficara amiga de um
rapaz chamado Klaus Eichmann.
O
jovem visitara sua casa e, sem saber da ascendência da família, declarou ser
"uma pena que Hitler tenha sido impedido de alcançar seu objetivo".
Klaus dizia que seu pai havia sido oficial do Exército alemão e se recusava a
dar seu endereço a Sylvia, mas ela acabou descobrindo com uma amiga: rua
Chacabuco, 4 261.
A
história foi tratada com desconfiança pelo diretor do Mossad, Isser Harel, e,
durante quase três anos, o serviço secreto pouco fez para apurar sua
veracidade. Mas novas informações levavam a crer que Eichmann estaria vivendo
em Buenos Aires sob o nome de Ricardo Klement. Sua mulher e filhos teriam ido
ao seu encontro, e os três rapazes continuaram usando o sobrenome do pai.
A
Argentina já era conhecida por abrigar criminosos de guerra. "O governo os
protegia, dava emprego e documentos e negava pedidos de extradição",
afirma o jornalista e historiador argentino Jorge Camarasa, autor de Odessa al
Sur - La Argentina como Refugio de Nazis y Criminales de Guerra (Odessa ao
Sul - A Argentina como Refúgio de Nazistas e Criminosos de Guerra) e Los Nazis
en la Argentina (Os Nazistas na Argentina), inéditos no Brasil.
Aharoni
também escreveu um livro com o jornalista alemão Wilhelm Dietl, intitulado Operation
Eichmann - Pursuit and Capture (Operação Eichmann -
Perseguição e Captura, inédito em português). Na obra, explica que, naquela
época, qualquer embaixada israelense dispunha de um número de telefone que
podia ser usado para contatar voluntários judeus dispostos a ajudar em um
trabalho ou investigação, e o mais importante: sem fazer perguntas.
Um
funcionário da embaixada colocou uma relação de voluntários à sua disposição e
na companhia de um deles, Roberto (os nomes são fictícios), Aharoni dirigiu até
a rua Chacabuco. Com o pretexto de entregar um carta para Ricardo Klement,
Roberto foi ao prédio e descobriu que o apartamento do térreo estava vazio,
sendo pintado. Se ele tinha morado ali, já havia se mudado.
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Mas
faltava achar Adolf Eichmann. Aharoni o viu pela primeira vez em 19 de março.
Passando de carro em frente à casa, observou um homem de meia-idade, magro e
calvo, que recolhia a roupa do varal. Perto dele, uma criança de cerca de 5
anos (Ricardo Francisco, filho de Klement e Vera, nascido na Argentina). Era
ele, com certeza.
Em 11 de maio, na hora combinada, 19h25,
Aharoni estacionou a limusine na rua Garibaldi. Malchin e Keren saíram do carro
e o segundo se escondeu atrás do capô. Rafi Eitan ficou deitado no banco de
trás. O Chevrolet, com Avraham, Yaakov Gat e o Doutor, parou um pouco mais
longe. Se durante a fuga acontecesse algum acidente ou qualquer problema com a
limusine, os agentes e o prisioneiro seriam levados para o Chevrolet. O relógio
deu 19h40, mas nada de Eichmann .
A armadilha
Em 24 de abril, começaram a chegar a Buenos Aires os
agentes do Mossad que participariam da segunda etapa da Operação Eichmann: a
captura e traslado para Israel.
Além de Aharoni, agora identificado como
um executivo alemão, vieram Avraham Shalom, Yaakov Gat e Efraim Ilani.
Em
outra leva, para não chamar a atenção, desembarcaram Yitzhak Nesher, Zeev Keren
(responsáveis por alugar as casas que seriam usadas de esconderijo e os carros
para o sequestro), Zvi Malchin (um homem forte, a quem caberia a missão de
segurar Eichmann), o chefe da missão Rafi Eitan, o diretor do Mossad, Isser
Harel, mais o médico, identificado apenas como "Doutor", encarregado de manter o
prisioneiro saudável. Por último, chegou Shalom Dany, perito em documentos
falsos.
Eles
alugaram duas casas que serviriam como opções de esconderijo e o agente Keren
construiu numa delas um pequeno quarto com uma porta secreta onde o prisioneiro
ficaria em caso de visitas inesperadas. Eles compraram dois carros, uma
limusine Buick preta e um Chevrolet. Ambos foram levados ao mecânico para uma
revisão completa. Decidiu-se que Aharoni, que conhecia melhor a cidade,
dirigiria a limusine - o carro onde Eichmann seria colocado.
O
alvo da operação continuava sob constante vigilância. Os agentes descobriram
que todo dia ele descia do ônibus vindo do trabalho às 19h40, hora em que a rua
costumava estar vazia. Seria o momento certo de atacar. Faltava só combinar a
data. A ideia era que o intervalo entre o sequestro e a fuga fosse o menor
possível; quanto mais tempo mantendo Eichmann prisioneiro em Buenos Aires,
maior a chance de a polícia ser acionada. O transporte para Israel seria no vôo
de volta de um avião comercial da El Al que traria o ministro do Exterior
israelense Abba Eban para a comemoração dos 150 anos de independência da Argentina.
De
início, o ministro chegaria em 12 de maio, e a aeronave retornaria a Israel no
dia seguinte. O sequestro foi marcado para o dia 10. Quando se soube que o
avião só chegaria no dia 19, o grupo resolveu adiar a operação por 24 horas.
Todos estavam tensos e ansiosos para que tudo acabasse logo.
Quando passou pela limusine, Eichmann foi abordado
por Malchin / Crédito: Acervo AH
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O
combinado era esperar até 20h. Cinco minutos depois das 20h, Avraham saiu do
carro e vinha em direção à limusine, quando um ônibus parou no ponto e um homem
saltou. Avraham correu de volta para o Chevrolet e acendeu os faróis. Era
Eichmann.
Aharoni
o observava com os binóculos quando ele pôs a mão esquerda no bolso. Seria uma
arma? Com um sussurro, alertou Malchin: "Ele
está com a mão no bolso. Cuidado, pode ser um revólver".
Aharoni ligou o motor do carro. Três segundos depois, Eichmann passou ao lado
de sua janela e foi barrado por Malchin: "Momentito!"
O sequestro
Eichmann não estava armado - nem os agentes. A
limusine seguiu pela rua Avellaneda por 800 metros e, então, parou para que
Zeev Keren descesse e trocasse rapidamente as placas do carro. Em vez das
chapas comuns, agora eles tinham novas, azuis, de carro diplomático, para
combinar com documentos falsos de diplomata austríaco que Aharoni levava. O
prisioneiro estava deitado no chão, com um cobertor em cima. Chegaram
finalmente na casa. O carro estacionou na garagem e os ocupantes entraram pela
porta que dava acesso direto à cozinha.
Desarmado, foi colocado no banco de trás do carro
/ Crédito: Acervo AH
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E como ele se chamava antes? "Otto
Heninger". A resposta deixou Aharoni intrigado -ele não sabia que Eichmann
adotara identidade de Otto Heninger na Europa. Mas as perguntas seguintes
tiveram a resposta esperada. Quando era sua data de nascimento? "19 de
março de 1906". Local de nascimento? "Solingen". E qual foi seu
primeiro nome? "Adolf Eichmann". Aharoni esticou a mão
para cumprimentar Avraham, do outro lado da cama.
Em 20 de maio, o prisioneiro foi avisado de que era hora de partir. Vestido com uma roupa semelhante à da tripulação da El Al (camisa branca e gravata preta), Eichmann foi sedado. A droga o impediria de falar, mas com ajuda poderia se locomover quase normalmente. Partiram às 21h.
Em 15 de dezembro, a corte deu o
veredicto e a sentença: morte por enforcamento. Na noite de 31 de maio de 1962,
Eichmann estava calmo. Chegou a pedir uma taça de vinho e recusou o capuz que o
carrasco lhe ofereceu. Em seu livro, Aharoni cita o jornalista Rudolf
Küstermeyer, que testemunhou a execução e reproduziu suas últimas palavras,
poucos minutos antes da meia-noite, já de pé no cadafalso: "Longa vida à Alemanha. Longa vida à Áustria. Longa
vida à Argentina. Esses são os três países com os quais tive laços mais
próximos. Eu não os esquecerei. Cumprimento minha mulher, filhos e amigos. Foi
exigido de mim obedecer às leis da guerra e da minha bandeira. Eu estou
preparado".
Em 20 de maio, o prisioneiro foi avisado de que era hora de partir. Vestido com uma roupa semelhante à da tripulação da El Al (camisa branca e gravata preta), Eichmann foi sedado. A droga o impediria de falar, mas com ajuda poderia se locomover quase normalmente. Partiram às 21h.
Eichmann embarcou usando o uniforme da companhia El
Al / Crédito: Acervo AH
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O aeroporto estava vazio, não havia
outros vôos programados para aquele dia. O carro parou perto do ônibus da
companhia - cujos verdadeiros tripulantes não tinham ideia do que se passava.
Yaakov e o Doutor, também vestidos como tripulantes da companhia aérea,
ajudaram Eichmann a subir a escada e entraram no avião com ele. Para todos os
efeitos, eram dois membros da tripulação amparando um colega doente. O Doutor
sentou atrás de Eichmann e até a decolagem manteve uma seringa espetada em seu
braço.
Aharoni,
Isser Harel e o resto da equipe aguardavam a hora de embarcar, mas o tempo foi
passando e nada de eles serem liberados. Pouco antes da meia-noite apareceu um
funcionário esbaforido pedindo desculpas pelo transtorno. Com todos finalmente
a bordo, o avião decolou à 0h04. A aeromoça perguntou se Zvi Aharoni gostaria
de alguma coisa para comer. "Não, obrigado. Mas quero um uísque.
Duplo." Às 7h20 da manhã de 22 de maio, a aeromoça avisou: senhoras e
senhores, estamos entrando em espaço aéreo de Israel. Caso encerrado.
O julgamento
"Tenho
de informar que forças de segurança israelenses encontraram um dos maiores
criminosos nazistas, Adolf Eichmann, que, junto com outros líderes nazistas, é
responsável pelo que eles denominaram de "a solução final"da questão
judaica, em outras palavras, o extermínio de 6 milhões de judeus europeus.
Adolf Eichmann já está preso neste país e será em breve levado a julgamento de
acordo com a lei de 1950 que pune nazistas e seus colaboradores."
Foi assim que o primeiro-ministro israelense David Ben Gurion se dirigiu ao
Parlamento e ao povo de seu país no dia 23 de maio de 1960. A notícia do
sequestro caiu como uma bomba. A Argentina protestou contra a quebra de sua
soberania e exigiu Eichmann de volta.
O
governo não aceitou o pedido de desculpas de Israel e, em junho, levou o caso
ao Conselho de Segurança da ONU. Em agosto, porém, os ânimos esfriaram e os
dois países divulgaram um comunicado conjunto expressando "simpatia
mútua". Eichmann foi apresentado à Corte Distrital de Jerusalém em 11 de
abril de 1961 acusado de crimes contra o povo judeu e contra a humanidade.
Protegido em uma cabine de vidro à prova de bala, o réu declarou-se inocente
das acusações.
O julgamento produziu o best seller Eichmann em
Jerusalém - Um Relato sobre a Banalidade do Mal, da filósofa judia alemã
Hannah Arendt. Incumbida pela revista americana The New Yorker de fazer a
cobertura do processo, Hannah traçou o perfil de um burocrata incapaz de
admitir sua parte de culpa no holocausto. "Com o assassinato dos judeus
não tive nada a ver. Nunca matei um judeu. Nunca matei um ser humano",
disse Eichmann, segundo ela. "Ele parecia acreditar que, atrás da
escrivaninha, suas mãos estariam limpas."
Foto mostra Eichmann em sua cela, em 1961 / Crédito: Getty Images
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Foi a primeira e até hoje única execução
na história de Israel. O corpo foi cremado e as cinzas, espalhadas no mar
Mediterrâneo, em águas internacionais. Fora, portanto, do território israelense.
Fonte: Aventuras na
História /uol/com.br Publicado em 11/04/2020.
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