Por Márcia Alcântara Holanda (*)
Estava no aeroporto de Guarulhos-SP, em 15/03/2020, quando vi o então
ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta posando para os noticiários nacionais
de TV, ao lado de pilhas de caixas contendo vacinas antigripais que sairiam
dali para o Brasil a dentro. Sorridente, com ar de entusiasmo, garantiu que
todos os idosos seriam vacinados contra gripe, em poucos dias. Cumpriu o
prometido: fez chegar aos que da vacina precisavam, 75 milhões de doses.
Vinte dias antes desse feito, registrava-se em São Paulo o primeiro caso
da Covid-19 e, dias depois, o mesmo entusiasmado ministro decretou o isolamento
social posicionando-se de acordo com as orientações da Organização Mundial da
Saúde (OMS), com o objetivo de "achatar a curva" da disseminação do
vírus letal. Foi aí que o presidente Jair Bolsonaro começou a apagar algumas
luzes que norteavam a saúde no túnel já escurecido pela epidemia da Covid-19,
que aqui chegara, com sua força ceifadora de vidas. Tomado de ironia, o
presidente disse que a Covid-19 era uma "gripezinha" e que não seria
bom para a economia do Brasil a tomada de tal medida. Iniciou-se então uma
discordância entre autoridades: de presidente com ministro e, depois, com
governadores e prefeitos. Mandetta foi demitido e Nelson Teych assumiu seu
posto, em 17/04/2020, adotando a filosofia de Mandetta e da OMS. Ambos foram
contra o uso indiscriminado da cloroquina, por não se ter ainda hoje um
consenso sobre sua aplicabilidade segura no controle da epidemia. Teych, após
ser constrangido pela intervenção de Bolsonaro sobre essas posições, pediu
demissão, após 29 dias no cargo. O comando do controle da Covid-19 tem sido
tumultuado, gerando desassossego na população, pela perspectiva de desastre que
os desencontros poderão provocar: mais adoecimentos e mortes. No momento, a
saúde do brasileiro está sob a égide de Eduardo Pazuello, que segue, à revelia
da ciência, a receita que Bolsonaro prescreveu para todos os brasileiros que
venham a adoecer de Covid-19, o uso indiscriminado da cloroquina. Relaxou-se
também o isolamento social completando assim as atitudes bolsonaristas de
facilitarem cada vez mais a disseminação do vírus na população.
Com traços de lucidez, no Ceará, o Sistema Único de Saúde (SUS) segue as
observações da OMS. Além disso, uma força tarefa desenvolve serviços que mantêm
educação continuada dos profissionais de saúde, disseminação da informação,
atendimento médico de 24h por dia, em unidades especiais para portadores da
Covid-19 e, ainda desenvolveu o respirador Elmo, construído com inteligência,
ciência e tecnologia cearenses. Estamos, porém, sob inconsequências e
desacertos do nosso presidente a apagar as luzes da ciência e a nos colocar,
cada vez mais, na escuridão desse túnel, sem uma réstia de luz.
(*) Médica pneumologista; coordenadora do Pulmocenter; membro da Academia Cearense de
Medicina.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 8/6/2020. Opinião. p.23.
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