A
pedidos, abro a coluna de hoje com mais uma historinha de campanha eleitoral.
O encerramento da campanha
Em 1986,
coordenei a campanha de Freitas Neto para governo do Piauí. Na época, era
filiado ao PFL. A eleição nesse ano ocorreu em 15 de novembro, não em outubro.
Foi num sábado, mobilizando 166.166.810 eleitores. Disputada sob a euforia do
Plano Cruzado, obra do governo José Sarney. O MDB elegeu 22 dos 22 governadores
dos 23 existentes. Um único governador do PFL foi eleito: Antônio Carlos
Valadares, de Sergipe. Foi o arrastão do Plano Cruzado.
Volto ao Piauí
Chegava
o momento final da campanha, e cravávamos na massificação do
"monumental" (entre as aspas, atentem) showmício de encerramento. Os
carros de som anunciavam, desde cedo, o grande comício. Um espetáculo com a voz
da fabulosa cantora Elba Ramalho. Na época, as carretas com imensos aparelhos
de som saíram do Rio de Janeiro, 10 dias antes da data. Mas as fortes chuvas na
região da Bahia atrapalharam o transporte. A lama nas estradas atrasou a
chegada. Ficávamos ligando para as cidades de passagem das carretas para
controlar a chegada. Não teve jeito. A aparelhagem do som chegou quase em cima
da hora do comício na Praça do Marquês. Cheguei ao local com Freitas Neto um
pouco antes, por volta de 18 horas, para ver o ambiente. Uma multidão nos
aguardava.
O toró
Chegamos
sob uma intensa e continuada chuva. Os técnicos se esforçavam para instalar os
aparelhos e arrumar os grossos cabos. 18h30. O toró (como se diz no Nordeste)
engrossava. A chuva torrencial bagunçou o coreto. Praça lotada. Milhares de
piauienses pulavam e dançavam sob a chuva. Garrafas de cachaça corriam de mão
em mão. De repente, um estrondo, seguido de outros. Fogo e fumaça nas tomadas
dos cabos. Corre-corre dos técnicos e o aviso dos eletricistas ao nosso
candidato: "Acabou o som. Não há condição." Não havia aquele tipo
grosso de cabo em Teresina. Só em Fortaleza. Elba Ramalho foi logo avisando:
- Está
aqui meu contrato. Sem som, não canto.
Conversa
vai, conversa vem, aflição e perplexidade. Depois de muita insistência, ela
admitiu:
-
Cantarei uma música, só, e me arranjem um acompanhamento.
Saiu não
sei de onde um sujeito com um banjo. O povão urrava sob a chuva:
- Elba,
Elba, Elba, queremos Elba, Elba, Elba...
Bate,
bate, bate, coração...
A
cantora saiu de trás. A multidão explodiu. E lá vem música:
- Bate,
bate, bate, coração!
Ninguém
ouvia nada. Zorra total. Nem bem terminou a estrofe, Elba parou. Presenciei,
ali, uma das maiores aflições de minha vida, um esculacho na massa:
- Seus
imbecis, seus loucos, covardes, miseráveis. Como podem fazer uma coisa dessas?
O que
era aquilo? Meu Deus, por que aquele carão? Olhei para o meio da multidão. E vi
a cena que ainda hoje mexe com meus pensamentos ruins: um sujeito abria a boca
de um jumento, enquanto outro despejava nela uma garrafa de cachaça. Foi o
toque que faltava para o anticlímax. Quanto mais Elba xingava a multidão, mais
apupos, mais vaias. No dia seguinte, Teresina gargalhava em gozação. O
showmício de Freitas Neto fora um desastre. Senti o ar pesado.
O jumento imponderável
O
comentário era um só: você viu o comício de Freitas Neto? Institutos de
pesquisas, às vésperas do pleito, nos davam 3% de maioria sobre Alberto Silva,
candidato do PMDB. Perdemos a campanha por 1%. O desastre do comício virou o
clima. Senti essa virada ao observar a conversa dos eleitores nas ruas e
escritórios. Quando faço palestras sobre Marketing Político, costumam me
perguntar:
-
Professor, qual é o fator imponderável em campanha eleitoral?
Na
bucha, respondo:
- Um
jumento embriagado no Piauí.
Fonte: Gaudêncio Torquato (GT Marketing Comunicação).
https://www.migalhas.com.br/coluna/porandubas-politicas/408591/porandubas-n-850

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