Por
Romeu Duarte Junior (*)
Estava eu levando a passear o meu dolce
far niente num desses shoppings por aí quando ela apareceu. Forte (para não
dizer gorda), roupa multicolorida, sapatos de cores diferentes, maquiagem
carregada e o cabelo negro/louro à la Ana Maria Braga em trancinhas. Nunca a
havia visto, mas havia algo de familiar no jeito dela. Quando me viu, sentou-se
à mesa e foi logo gritando: "Diz aí, macho véi, há quanto tempo! Égua,
cara, tu tá é acabado...". Depois dessa agradável recepção, menti:
"Oi, querida. Pois é, quanto tempo. Você está muito bem". "Muito
bem nada, eu estou é ótima, com tudo em cima e pegando na chave". A
garrafa térmica com estampa de onça era aberta por ela a cada três minutos,
sede grande. "Tenho que achar um assunto", pensei, "antes dela
berrar de novo".
"Como vai a vida? O que você
faz?", indaguei. "Me formei em Direito, trabalhei anos e anos como
advogada até ficar de saco cheio. Hoje sou influencer, bebê",
respondeu. "E o que diabo é influencer", perguntei, me fazendo de
doido. "Ah, não sabe, não? É quem dá pitaco em tudo que é tema, moda,
gastronomia, viagens, uêi ofi láifi, essas coisas. Sou blogueira. Tenho milhões
de seguidores nas redes sociais. Vivo de monetização", sapecou. De
repente, sacou da bolsa gigante um celular de última geração, o qual manejava
com uma destreza de craque. "Desculpa, é que uma criatura lá do Japão está
me consultando sobre um tipo de make que ela quer usar". Num inglês de
porta de hotel, sugeriu sua dica de beleza à japa. "Ei, cara, não vai me
pagar nem um café? Lai vai, é liso...".
Rubiácea comprada e sorvida em sôfregos
goles, ela disse: "Tá na hora de amamentar o meu casal de gêmeos".
Ato contínuo, tirou da bag dois babies reborn e, abrindo a blusa,
colocou um dos volumosos seios para fora, para alimentá-los, para meu completo
desespero. "O que é isso?!", quis saber, o coração aos pulos.
"Ora, para qualquer lugar que eu vou levo os dois. O menino veste azul e a
menina rosa". "Minha senhora, tenha modos!", adverti-lhe.
"Ei, cara, tu é doido ou é comunista?! Essa tua reação me deixou nervosa!".
Abriu a sacola imensa mais uma vez e de lá tirou uma chupeta, colocando-a na
boca. "Quem sabe assim eu me acalmo, macho véi, viu?", reclamou numa
bela gaitada. Tão rápido como chegou, sumiu. Pânico. Olhei em volta e os
clientes me fitavam.
Súbito, aparece um funcionário do shopping
com um risinho no canto da boca. "Perdão, senhor, estamos fazendo um teste
com os nossos frequentadores. A senhora que estava aqui não existe, era um
holograma criado por IA", curtiu. Aí foi a minha vez de mangar do sujeito:
"Pois é, já estava preparado para falar com ela sobre a adultização das
crianças, a infantilização dos adultos, as paquitas das apresentadoras blondies
da Globo, o frisson da dança na boquinha da garrafa, entre outros papos".
"Ah, então o senhor desaprova esses tipos de comportamento? São tão
normais hoje. É a evolução dos tempos", tascou. "Se você não fosse
uma imagem, já teria levado uma mãozada nos beiços", falei-lhe. O sujeito
saiu correndo. Acordei suado. E assim caminha a humanidade, louca...
(*) Arquiteto e
professor da UFC. Sócio do Instituto do Ceará. Colunista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 1/0925. Vida & Arte. p.2.
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