João Brainer Clares
de Andrade (*)
Os debates do
último pleito deram conta de uma atípica indiferença presidencial aos problemas
brasileiros. Qualquer queixa ou denúncia do oponente eram ultimadas pela frase
“eu não concordo com o senhor, candidato”. Passados os debates, é tempo de
sentar e considerar, de verdade, onde há problemas. Na saúde, ponto de
principal queixa do eleitorado, a presidente reeleita encontrará dificuldades
muito além daquelas que ela não deseja ver. Se filtrarmos o novo programa de
governo, nada além do programa “Mais Especialidades” foi ofertado, além da
promessa de perpetuar os programas que já existem.
Dilma crê, mais uma
vez, no aumento do número de atendimentos, sejam eles na esfera da cambaleante
atenção básica ou na atenção secundária. A estratégia saúde da família, lançada
pelo governo tucano e expandida pelo PT, perdeu, no entanto, fôlego. A vinda
dos cubanos contrasta com o elo cultural previsto pela estratégia, assim como a
longitudinalidade no atendimento, quando a permanência cubana tem validade, e
iniciativas reais de fixação do médico brasileiro nas comunidades não foram
feitas.
A justificativa foi
a melhor encontrada: “médicos brasileiros não quererem ir para o interior”. No
entanto, isso foi possível com a abertura das inscrições longe do período de
graduação (meio ou final do ano), fazendo com que milhares de médicos
brasileiros recém-formados e dispostos a ocupar esses postos perdessem vaga.
Assim, eis a realidade: o governo substituiu médicos brasileiros por cubanos.
Com o “Mais
Especialidades” o erro persiste: investe-se no aumento de atendimentos sem o
fluxo devido. Continuaremos com a tabela do SUS defasada há 15 anos, leitos
hospitalares sendo fechados, exames de imagem com filas de mais de 1 ano e a
falta de continuidade na distribuição de medicamentos e insumos. A ideia é
bem-vinda, desde que não demonize a imagem da medicina brasileira, acusando-a
por não querer compactuar com o financiamento minguante da saúde, hoje,
ancorada em medidas de efeito imediativista. E o desafio é ainda maior:
especialistas demandam mais exames, mais medicamentos e mais leitos
hospitalares para investigação e tratamento, além de melhores salários e um
vínculo que não seja de “bolsista”, como ocorre hoje para se driblar a
legislação trabalhista.
Quanto mais melhor,
é bem sabido. Mais gestão, mais medicamentos, mais unidades de saúde, mais
médicos com boa e validada formação, mais universidades públicas, mais
hospitais, mais especialistas brasileiros bem remunerados e servidos de
estrutura de trabalho... Mais fisioterapeutas, enfermeiros, psicólogos... Mais
estrutura, mais investimentos... E o principal: mais respeito com o paciente.
(*) Médico
residente de Neurologia – Hospital Geral de Fortaleza.
Fonte: Publicado In: O Povo, Opinião, de 3/11/2014. p.9.
Nenhum comentário:
Postar um comentário