segunda-feira, 23 de março de 2015

HOMENS COMUNS E EXTRAORDINÁRIOS



Por João Soares Neto (*)
“Os que não conseguem relembrar o passado estão condenados a repeti-los”. George Santayana (1863-1952), filósofo americano.
Caro Leitor: tenha paciência com o texto. Vá até ao final. Leia devagar. Começo: Fiódor Dostoiévski (1821-1881), grande escritor russo, autor de “Crime e Castigo”, publicado em 1866, romance geralmente apresentado em dois volumes, fala de sentimentos de personagens atormentados, daí ter sido o seu autor considerado “o homem do subsolo”, objeto de estudo de Freud.
No primeiro volume, tradução de Rosário Fusco, pág.345, Raskólnikov, personagem central, é abordado sobre artigo por ele publicado na “Palavra Periódica”. Nele fala sobre a natureza do crime. É dito que os homens são divididos em “ordinários e extraordinários”.
“Os homens ordinários devem viver na obediência e não têm o direito de transgredir a lei, uma vez que são ordinários. Os indivíduos extraordinários, por sua vez, têm o direito de cometer todos os crimes e de violar todas as leis pela única razão de serem extraordinários”.
Como surgem dúvidas, Raskólnikov, o autor, resolve explicar: “Não foi propriamente assim que me exprimi – começou num tom simples e modesto. – Aliás, confesso-lhe que o senhor reproduziu o meu pensamento bem de perto. Pensando bem, reproduziu-o exatamente. A única diferença é que eu não insinuo como o senhor dá a entender que aos homens extraordinários seja permitido cometer todas as espécies de crimes. Parece-me que um artigo nesse sentido não poderia ser jamais publicado. Eu somente insinuei que o homem extraordinário tem o direito, não o direito legal, mas o direito moral de permitir à sua consciência saltar certos obstáculos e, isso, somente no caso em que exige a realização de sua ideia benfeitora, para toda a humanidade”.
Volto e pergunto: por acaso há alguma semelhança no passado e presente do Brasil entre pessoas que se consideraram extraordinárias e acreditaram que, em nome de uma causa, poderiam fazer o que quisessem?
Ele continua: “Na maioria dos casos, esses homens reclamam, sob as mais diversas fórmulas, a destruição da ordem estabelecida em proveito de um mundo melhor. Mas, se for preciso, para fazerem triunfar as suas ideias, eles passam sobre cadáveres, atravessam mares de sangue. Dentro deles, a sua consciência permite-lhes fazê-lo em função naturalmente da importância da sua ideia”.
Pausa para mim: há similar na história da pátria amada?
Sigo com ele, páginas adiante: “Uma coisa é certa: é que a repartição dos indivíduos nas categorias e subdivisões da espécie humana deve ser estritamente determinada por alguma lei da natureza. Essa lei é-nos, bem entendido, desconhecida ainda até a hora presente, mas acredito que ela exista e nos possa ser revelada um dia. A enorme massa dos indivíduos do rebanho, como dissemos, não vive na face da terra senão para fazer aparecer, finalmente, no mundo, depois de uma série de longos esforços, de misteriosos cruzamentos de povos e de raças, um homem que entre mil possua a sua independência, e um sobre dez mil, sobre cem mil, à medida que o grau de independência se eleva”.
Eu, de novo: teríamos nós, ao longo da nossa história, encontrados esses homens extraordinários? Teriam eles, se realmente encontrados, o direito – em nome de uma ideia – de cometer toda a sorte de crimes, com ou sem sangue? Talvez seja preciso que voltemos a reestudar a História do Brasil, desde o comércio internacional de escravos ao tempo da colonização portuguesa,depois transformada em vice-reino – fugindo de Napoleão Bonaparte e seu exército – com a “proteção” da Inglaterra; Rediscutir como aconteceu a independência do Brasil. Vale dizer que o nosso D. Pedro I, com o seu grito do Ipiranga, pouco depois, foi aclamado rei de Portugal, nominado D. Pedro IV. Há uma estátua dele no Rossio, em Lisboa.
Depois, deveremos olhar a Proclamação da República, com todas as suas nuances e as influências verdadeiras, escoimadas nos livros em que as nossas crianças e nossos jovens devem acreditar. Pense nisso.
Será que a Guerra do Paraguai (a tal Tríplice Aliança) não foi uma mera artimanha da protetora Inglaterra?  Quem puder, pesquise e veja se estou exagerando.
Desde a Proclamação da República, houve tanta confusão no Brasil que não sei como chegamos ao século 21. Repare um pouco, lembre-se de todos os ex-presidentes, os eleitos, os impostos e os gerados (Floriano Peixoto,1892, e José Sarney,1985). Aprazerem-se em procurar saber um pouco mais de cada episódio.
Dostoiévski foi citado por mim, como condão ou reflexão, para que todos saibam fazer a distinção entre os homens comuns e os extraordinários que nos trouxeram até aqui. Cada um tire as suas próprias conclusões. Afinal, não há crime sem castigo da história.E no romance. Pelo menos. Obrigado.
(*) Escritor e empresário. Da Academia Cearense de Letras.
Publicado no jornal O Estado, de 21/03/2015.

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