terça-feira, 8 de maio de 2018

O JUDEU MARGINAL: Heinrich Heine

Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
O gentio é logo admirado, logo desprezado”.
Ele era o tipo característico do intelectual judeu marginal. Nasceu em um lar onde não havia tradição, fosse judia ou alemã. Passou a juventude em um ambiente completamente amorfo e instável. Em Dusseldorf, onde nasceu, apesar de não haver impedimento para frequentar educandários públicos, o fato de ser judeu não deixava de ser um obstáculo extraoficial.
O poeta Heine, na adolescência, sofreu crises de desassossegos, inquietações, medos, e o denominado “nervosismo judaico”. Oriundo de uma família rica e destinado ao Comércio, optou por estudar Direito. A seguir, por vocação, decidiu aprender Literatura Romântica, visando alcançar certas posições vetadas aos judeus. E, pensando que a religião luterana era o passaporte para a cultura germânica, converteu-se àquele credo.
Ainda jovem, e a despeito de já ser famoso pelos poemas e livros de viagens, Heine tentou firmar sua situação material, em várias cidades alemãs. Em 1831, desgostoso com o quadro de antissemitismo presente na Alemanha, resolveu migrar para Paris, onde julgava encontrar um ambiente mais liberal e menos hostil. Na Cidade Luz, encontrou uma boa acolhida nos meios literários, e passou a viver confortavelmente, como correspondente de importantes periódicos de língua alemã.
Não obstante o sucesso, aos poucos, sua vida em Paris foi se tornando obscura, em decorrência de conflitos políticos, de dificuldades financeiras frequentes e por conta da relação com uma mulher inculta. Tudo isto culminou com uma paralisia que o levou à morte.
O extrato poético do autor está contido no Livro das Canções, com baladas amorosas, quadros satíricos e suas grandiosas evocações marítimas. Essa obra teve um grande sucesso, com treze edições, durante a vida de Heine, tornando-o um intelectual de muita popularidade.
Seu poema O Navio Negreiro, de 1853/1854, do original alemão Das Sklavenschiff, retratou a condição dos prisioneiros de um navio de escravos africanos, aportado no Rio de Janeiro. Tal poema serviu de base à inspiração de Castro Alves. Heine foi admirado por diversos escritores brasileiros, entre os quais Machado de Assis, Gonçalves Dias, Raul Pompéia, Alphonsus de Guimaraens, Fagundes Varela e Manuel Bandeira.
O poeta judeu alemão influenciou, de forma marcante, o sergipano Tobias Barreto (1839-1889), expoente da denominada “Escola do Recife”, Movimento que teve, entre seus objetivos culturais, o de deslocar o Brasil da exclusividade à cultura francesa, rumo à cultura alemã. Por causa de suas ideias, Tobias Barreto polemizou com várias personalidades, a exemplo de Joaquim Nabuco, (Visconde) Alfredo de Taunay e José de Alencar. Sofreu um alijamento social e morreu na miséria.
Gostaria de lembrar, por fim, que, ao participar da cultura do grupo dominante, um indivíduo, quando rejeitado, pode se tornar um marginal extremado. Quanto mais intensa e profunda for sua ligação com o grupo dominante, maior também será a severidade do choque psíquico, por meio da rejeição.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES). Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Foi um dos primeiros neonatologistas brasileiros.

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