Eu tenho pra mim, na minha mente, que...
E
era hora de Jessiê voltar à terrinha, sujeito de talento invulgar para
encontrar coisas perdidas, ele que fizera pé de meia desse dito ofício.
Regressava em invejável condição financeira, como autoridade -
"procurador". Logo abriu uma empresa de "procuração" do
quer que fosse extraviado.
Enricou
em Sampa, dizem, por favor prestado ao finado Jânio Quadros. Encontrou a caixa
de charutos que o ex-prefeito recebera de presente da prima duma vizinha de Che
Guevara, nos idos de 60. Daí caiu nas graças do velho, que "fê-lo porque qui-lo".
De
regresso ao torrão natal, Santana do Campestre, o talentoso
"procurador" descobre a razão do sucesso: invocar "São Lunguim" e encontrar o
que estivesse perdido: "Glorioso São Longuinho, a ti suplicamos, cheios de
confiança em sua intercessão..."
Chaves,
documentos, meninos, dentaduras, juízo, bolsas, dinheiro na ruma ou duplicatas,
jóias, animais. Era falar do aperreio e ele, contrito, passar a pronunciar:
"... Sentimo-nos atraídos a ti por uma especial devoção, São
Longuinho"...
A
Freguesia do Ó, em São Paulo, onde viveu por 40 anos, sabia das façanhas do
abalizado "procurador",
que agora em Santana, sobre a carne seca, fora conclamado a ser vereador.
Candidatou-se, elegeu-se com 77 votos. "Procurador" e vereador.
Ligeiro
chegou à presidência da Câmara. E como o presidente em exercício houvesse
levado tiro de espingarda do TCM; o vice, uma papeira descida e o secretário,
fugido com a amante do tesoureiro, Jessiê assumiu o comando da Casa.
Empreendedor, procurou reformar e ampliar Legislativo municipal. E assim foi.
Cada
novo lugar, uma homenagem prestada: Plenário Vó Mundica (avó de Jessiê);
galeria João Romão (pai de Jessiê); Sala de Reuniões Tia Neusinha (tia de
Jessiê); Auditório Raimundo Onório (irmão de Jessiê); Refeitório Mestre
Helismar (padrinho de crisma de Jessiê).
Faltavam
só dois compartimentos do novo prédio a serem batizados. O almoxarifado (Mané
Chico, primo de Jessiê) e os sanitários. Exatamente aqui faltou gente da
família pra ele botar. E só prestava se fosse da parentela. A oposição, cheia
de graça, apresentou sugestão de categoria: "Mictórios Jessiê".
Contra
depressão, uma pôde depressinha
A
seguir, publico uma entre as dezenove cartas que a amiga Crisca recebeu de um
compadre, Osvaldo Libânio, tocador de pife no Cariri. Na primeira, as
maravilhas de um antidepressivo que descobriu ao acaso, tendo por cobaia a
sogra.
-
"Esse negócio de num-sei-quê, num-sei-o-que-mais contra depressão é coisa
de engabelar pobre. A véa minha sogra, dona Romana, endoidou depois de chupar
macaúba vencida. Mandaram ela tomar piula disso, pó daquilo. Era uma tristeza
monstra, os ói remelento, peidava sonsa pelos canto da casa. Comer, só uma coisinha.
A vontade era de morrer, só não tinha onde cair. Relaxou o corpo, o vestido,
até piolho contei uma dúzia na blusa branca, parte do couro dela. Divulgava as
telhas de casa como se esperasse um jumento descer pelo caibro.
Já
lá se iam dois anos nesse veve-num-veve quando, observando a posição do
ridimunho da cabeça dela, cismei do cangote e falei pra minha mulher: -
Gonçala, vou tratar tua mãe com cana! Se ela num ficar boa, eu engrene! Rebolei
no mato as piula que ela guardava no califon, abri um celular de Douradinha e
dei pra ela beber de gute-gute. Tudim! Romana deu uma upa, as urêa balançaro,
me chamou de 'querido', ligou o rádio e me puxou pra dançar.
Tá
uma polda, hoje em dia! Depressão em sogra? Depressinha, empurre umas pôde no
bucho dela! Detalhe: num deixe a véa ficar sóbria! Fique só mantendo o níve! E
o mais importante: deixe sempre um rádio por perto!".
Fonte: O POVO, de 15/11/2019.
Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos.
p.2.
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