sexta-feira, 14 de março de 2014

O BODE NA SALA



Por José Eudes Baima Bezerra (*)
"O Governador Cid se dedicou a um rosário de desqualificações, não só do trabalho dos docentes e técnico-administrativos, mas inclusive da gestão da instituição"
Produto da greve que paralisou por 90 dias todos os segmentos das três universidades estaduais cearenses, ocorreu nos dias 17 e 18 de fevereiro o seminário “O papel da Universidade Estadual do Ceará (Uece) no desenvolvimento do Estado”. O seminário reuniu cerca de 450 membros da comunidade universitária com o governador Cid Gomes e o staff da Secitece. Estruturado em mesas temáticas, conforme os termos do acordo que pôs fim à greve, o seminário permitiu ampla visão do lugar crucial que a Uece (além da UVA e da Urca) cumpre na produção científica, cultural e tecnológica que formam a base do desenvolvimento do Estado. Como lembrou o reitor Jackson Sampaio em sua exposição, são raros os aspectos da vida institucional cearense que não tragam impresso o DNA da Uece.
A participação do governador, contudo, foi decepcionante. Desde sua primeira e longa fala, passando por todas as intervenções, se dedicou a rosário de desqualificações, não só do trabalho dos docentes e técnico-administrativos, mas inclusive da gestão da instituição. Nesse labor, Cid Gomes demonstrou vasto desconhecimento do trabalho e da lógica que comanda a atividade acadêmica. Praticamente toda a sua “contribuição” pode ser resumida à tentativa de impor um reordenamento da carga-horária docente de forma a aumentar a jornada do professor na sala de aula, em detrimento do tempo gasto na pesquisa, na extensão e na gestão da própria instituição.
A ofensiva de Cid Gomes nesta direção visa a demonstrar a inutilidade de repor os 163 professores que fazem falta hoje à Uece por conta de processos de aposentadoria e por força de mudanças curriculares advindas da legislação nacional. No mundo perfeito do arrocho fiscal, Cid faz questão de ignorar o fato de que a Uece detém significativo lugar na pesquisa acadêmica nacional, com nove mestrados profissionais, 17 mestrados acadêmicos e nove doutorados, tanto na Capital como no interior, com contribuição efetiva, tanto no campo das ciências básicas, como no da geração de tecnologia.
As distintas falas do governador, para além da grosseria e da falta de educação e urbanidade que surpreenderam a alguns, projeta um grave risco à continuidade deste projeto que caminha a duras penas, que é a Uece. Infelizmente, a imprensa acabou passando por alto pelo centro do debate, a sobrevivência ou não da universidade como tal, e preferiu se concentrar numa provocação grave, mas circunstancial, a ameaça de transferir o curso de Medicina da Uece para a jurisdição federal. Proposta inaceitável, funcionou, contudo, apenas como o prosaico bode na sala, para nos distrair do intento governamental de fazer a Uece retroceder à condição de colégio de terceiro grau.
(*) Professor adjunto da Universidade Estadual do Ceará
Fonte: O Povo, Opinião, 13/3/14. p.7.

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