João Hélio Rocha **
Em 22 de julho/2014, o Governo Dilma criou mais 6
faculdades de medicina completando 61 no seu mandato. Agora o Brasil tem 241
escolas médicas, revela o site “www.escolasmedicas.com.br” (a
China tem 150; Estados Unidos 141). Quem vai ensinar medicina
para esta multidão de alunos? O governo vai importar professores de medicina de Cuba? Quantos hospitais-escola precisarão ser construídos para treinar
os futuros médicos? Não se pode ficar abrindo faculdades de medicina por aí
como se abrem botequins em cada esquina penalizando os estudantes, inocentes, e
a população com assistência sem credibilidade. Falta ao governo uma
visão estratégica para o futuro da assistência médica e da medicina porque
teremos médicos insuficientemente preparados e nem se conseguirá capacitar
novos médicos para ensinar medicina às gerações futuras. É previsível a
decadência da medicina e um grande atraso no aprendizado da ciência
médica nas próximas décadas. Médicos recém-formados, naturalmente sem
adestramento técnico após a graduação, não terão coragem de ir para o interior solitários onde
terão que enfrentar situações diversificadas de patologias múltiplas sem contar
com apoio. Vão preferir ficar nas grandes cidades onde o anonimato os
protegerá, mesmo mal remunerados, até conseguir eficiência
profissional. No Brasil, logo depois de receber o diploma,
os médicos podem automaticamente exercer a profissão. Sem treinamento,
assumem plantão em prontos-socorros onde trabalham muitas vezes isolados como
único médico no dia e se veem à frente de casos complicados que exigem um certo
grau de experiência para bem conduzi-los. Em vez de criar
atabalhoadamente numerosas escolas médicas sem estrutura adequada visando
apenas uma quantidade maior de formandos e deixando em segundo plano a
qualidade do ensino, o governo precisa se espelhar no exemplo dos
Estados Unidos quando resolveram uma situação absolutamente caótica
na formação de médicos. Em 1906, há mais de cem anos, os Estados Unidos,
então com 87 milhões de habitantes e o Canadá (um domínio britânico até 1931
quando se tornou um país independente) com população de 6 milhões, tinham 160
faculdades de medicina com ensino precário, mal equipadas e com deficiências
qualitativas e quantitativas no corpo docente (notem a similaridade com a
situação atual em nosso país). Houve uma tomada de posição para mudar
radicalmente aquela situação. A Fundação Carnegie, presidida pelo
professor Henry S. Pritchett, contratou o educador Abraham Flexner com a
incumbência de fazer um estudo sobre as escolas médicas. Flexner
ponderou que não era médico. Pritchett retrucou: “É exatamente o
que eu preciso. Eu penso que estas escolas profissionais devam ser estudadas
não sob o ponto de vista do praticante da profissão, mas do ponto de vista do
educador”. Durante quatro anos, de 1906 a 1910, Flexner visitou cada uma
das 160 escolas (todas, sem exceção) e elaborou minucioso relatório. Quase uma
centena de escolas médicas — precisamente 94 — foram fechadas no período de
1910 a 1933. Para as 66 remanescentes foram estipuladas normas de
funcionamento com obrigatoriedade de serem vinculadas a uma universidade ou a
hospitais de ensino previamente qualificados. Foi também estabelecido um
processo de aferição da capacidade técnica do aluno após a graduação, conhecido
pela designação “State Board”. A licença para a prática médica passou a
ser concedida somente após a aprovação do médico no exame de suficiência (assim
procede a OAB — Ordem dos Advogados do Brasil — que só confere o título de
Advogado ao bacharel em Direito que for aprovado no exame de suficiência. Se
não for aprovado, o bacharel não pode exercer a profissão). Os Estados Unidos e
Canadá demoraram quatro anos para fazer um diagnóstico de situação. Consumiram
vinte e três anos (1910 a 1933) para cumprir as metas estabelecidas. Foi
operação difícil, delicada e de longa duração. No caso brasileiro todas as
deficiências no ensino médico já são conhecidas, mas não se pode fazer uma
generalização tão ampla porque muitas escolas médicas são de bom padrão. Os
norte-americanos agiram com coragem, decisão política, firmeza e continuidade e
conseguiram transformar o ensino médico num modelo de reconhecida excelência.
No livro“Fortalecimento do SUS com a participação popular de nossa
autoria” (disponível na internet através do e-mail joaoheliorocha@gmail.com)
—, no qual trazemos a público uma judiciosa proposta que pode contribuir
decisivamente para acabar com o caos na Saúde — aprofundamos a análise da
anarquia no ensino médico, resumida neste artigo. Nós, os médicos não
podemos ficar indiferentes a este processo de desconstrução da medicina que
pode levar a assistência médica a um nivelamento por baixo.
* Permitida a publicação se for feita integralmente (721
palavras).
** João Hélio Rocha é médico em Nova Friburgo, RJ há 51 anos.
Referências:
1) O relatório: FLEXNER,
Abraham (1910), Medical Education in the United States and Canada: A Report to the Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching, Bulletin No. 4, New
York City: The Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching, 346
páginas.
2) A autobiografia:
FLEXNER, Abraham (1940), I Remember: An Autobiography (Simon &
Schuster Edit.).
3) NASSIF, A. C. N. Escolas
médicas do Brasil – www.escolasmedicas.com.br.
Fonte: Circulando por e-mail (internet).
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