Papa Francisco: encíclica sugere mudança de
paradigma
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Por Henrique Araújo, jornalista de O Povo.
Mais que
preocupação com a mudança climática e o impacto nas vidas de cada um, a
encíclica papal “Louvado seja”, divulgada na última quinta-feira, volta-se à desigualdade global como
subproduto do esgotamento do meio ambiente.
Textualmente, o
papa Francisco não deixa margem a qualquer dúvida: ocupar-se do homem é
ocupar-se da morada de todos.
A mensagem é
radical, terna e revolucionária como os evangelhos.
“O ambiente humano e
o ambiente natural degradam-se em conjunto; e não podemos enfrentar
adequadamente a degradação ambiental se não prestarmos atenção às causas que
têm a ver com a degradação humana e social”, afirma a circular do Vaticano.
Coligindo dados
sobre aquecimento global e distribuição de renda, a encíclica estabelece
relação direta entre pobreza e esgotamento dos recursos naturais. É, talvez, o
aceno mais significativo da Santa Sé à teologia da libertação, doutrina segundo
a qual não se apartam a Terra e o vivente.
Eis aí a súmula das
160 páginas da mensagem de José Bergoglio, o argentino que se tornou Francisco
e abraçou o legado de humanidade do santo. Primeiro, o alerta de que o
paradigma fundado no consumo excessivo e restritivo levará todos ao abismo.
Depois, a
esperança: unidos por habitarmos uma morada comum, somos convocados a inventar
outros modos de coletividade.
O documento opera
uma crítica tão abrangente quanto inédita na própria igreja, aludindo mais ao
terreno que ao divino. Nela, quase nada é dito sem que tenha conexão com o dia
a dia das pessoas. Por exemplo: ao falar sobre a derrocada do sistema
financeiro em 2008, o papa sugere um redesenho das prioridades globais, de modo
a reduzir a velocidade de consumo e favorecer os mais pobres. A palavra-chave é
equidade, mas também racionalidade.
É como se o
pontífice aliasse a melhor ciência ao espírito transformador que está na base
dos ensinamentos de Cristo. Ou como se se apropriasse da análise de Thomas
Piketty, teórico para quem o crescimento da riqueza não tem resultado em menos
desigualdade, e do voluntarismo de Barack Obama.
É mais que qualquer
líder das nações poderosas já disse sobre a injustiça e a ganância neste início
de século XXI.
Obama elogiou
enfaticamente a escritura. “Admiro profundamente a decisão do papa para pedir
ações contra a mudança climática de forma clara, forte e com toda a autoridade
moral que sua posição lhe confere”, disse o presidente
norte-americano.
Jornalista e
escritor espanhol, Juan Arias explica o entusiasmo de Obama com a encíclica: “Em um mundo órfão
de líderes mundiais capazes de imporem-se por sua força moral, a arriscada
decisão do papa de dedicar sua primeira encíclica não ao céu, mas à Terra,
condenando os responsáveis pelo holocausto ecológico, o consagra como uma
grande líder mundial não somente espiritual, mas também social e até mesmo
político”.
Aos poucos, é o que
Francisco tem se tornado: uma voz de alcance global que extrapola o mundo
cristão. É impossível não se deixar afetar por sua mensagem.
Repercussão
Escrevendo sobre o
caráter excepcional da encíclica “Louvado seja - sobre o cuidado da
casa comum”, do papa Francisco, o teólogo brasileiro Leonardo Boff afirmou:
“É a primeira vez
que um papa aborda o tema da ecologia no sentido de uma ecologia integral (que
vai além, portanto, da ambiental). Grande surpresa: elabora o tema dentro do
novo paradigma ecológico, coisa que nenhum documento oficial da ONU até hoje
fez.”
A íntegra da
encíclica pode ser lida gratuitamente no endereço eletrônico: http://bit.ly/1Lhax37
Fonte:
Osservatore Romano/AFP. O Povo, de 21/6/2015. Reportagem. p.24.
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