Pedro
Henrique Saraiva Leão (*)
Parece
título para conto de aventura infantojuvenil, mas não é. João Curvo Semedo foi
médico notável no período barroco (século XVII) português. Formado na Universidade de Coimbra
em 1662, suas receitas combinavam os princípios hipocráticos e galênicos com a
alquimia (dos remédios polivalentes, físicos e morais) e a magia, então
vigentes desde a fundação das universidades, no século XIII. Exceleu na
Clínica, e pioneiramente no emprego de medicamentos químicos, usando amiúde
(com frequência) a quina, o mercúrio, e o antimônio.
Este
fora inventado por um facultativo (médico) espanhol, e popularizado como
remédio secreto, os “Pós de Quintiliano”. Em 6/2005, Murilo Martins, comentando
uma comédia de Molière, referiu-se a um monge beneditino que ministrava sais
desse metal a porcos, causando-lhes obesidade; experimentando-os em monges
desnutridos, estes logo faleciam. Portanto, a palavra antimônio seria
originária do vocábulo “anti-monk”, ou antimonge! (“Literapia” 12:39-40).
Modernamente, o antimônio é usado na Leishmaniose (N–metil glucantine).
João
Semedo revelou-se igualmente como introdutor das meizinhas no Portugal
seiscentista. Para outro pesquisador cearense, professor Edísio Tavares, essas
mezinhas eram comercializadas pelas boticas (farmácias àquela época) como
folhas, flores, raízes, cascas e extratos fluidos (“Remédios antigos. Uma breve
história da Farmacoterapia”. Anais da Academia Cearense de Medicina, IX, no. 9,
05/1998 – 05/2000. A propósito, lembramos nosso artigo “Chás.com”, O POVO,
10/9/2008).
Além
desses simples, i.e., plantas medicinais em estado natural, o fetichismo então
predominante incentivava o culto de entidades espirituais supostamente
representadas por insetos, sapos, peles de crocodilos, excrementos, urina de
cavalo, sangue menstrual, casca de ovo, penas de avestruz. Ainda consoante
Tavares, E, no século XVII coube a Robert Boyle expurgar a farmacopeia inglesa
dessas substâncias, mas o mesmo conservou como útil “sola de sapatos velhos
gastos por longas distâncias” (lírico!). Curiosamente, no seu “Vocabulário
Português e Latino”, Coimbra, 1712, Rafael Bluteau listou a palavra
“mesinheiro” como equivalente a médico. Outros sinônimos seriam físico, pulsista,
homicida tolerado, assassino impunido, árbitro dos mortais!
Este
atraente tema pode ser visitado com mais vagar nas obras dos cearenses Josa
Magalhães, Eduardo Campos, Florival Seraine, e do soteropolitano (baiano)
Fernando São Paulo, lente (professor) de terapêutica naquele estado (“Linguagem
médica popular no Brasil”, 2 vols., Editora Itapuã, Salvador, 1970). Ecoando
seu tempo, Semedo, adepto da magia, professava a teoria dos humores, atribuída
a Hipócrates, Galeno (?), ou Políbio, sobrinho e aluno daquele. Tais líquidos
corporais, daminhos, seriam o sangue, a bile amarela, a fleuma (flegma, ou
pituita), e a bile negra, ou atrabílis.
Destarte,
o dr. João Curvo Semedo influenciou deveras a medicina ulissiponence (de
Ulissipo, hoje Lisboa). De sua obra (nove volumes) ficou mais conhecida
“Polianteia Medicinal”, de 1680. Denotando a típica ingenuidade, ou singeleza
da língua lusitana, seu livro derradeiro foi intitulado “Atalaya da vida contra
as hostilidades da morte”. Faço ponto aqui. Parece “paresse” (preguiça em
francês), mas não é.
(*) Professor Emérito da UFC.
Titular das Academias Cearense de Letras, de Medicina e de Médicos Escritores.
Fonte: O Povo,
Opinião, de 25/5/2016. p.10.
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