Confronto
das ideias. O Supremo Tribunal Federal (STF) julga um processo que trata da
obrigatoriedade de o poder público fornecer medicamentos de alto custo, mesmo
que não estejam disponíveis no SUS ou não tenham registro na Anvisa. O poder
público deve ser obrigado a atender a essa demanda?
SIM
João Brainer Clares
de Andrade
Médico e professor
da Universidade Estadual do Ceará (Uece)
O SUS é um sistema ousado: sua robustez é oferecer saúde integral, longitudinal
e universal a mais de 200 milhões de brasileiros, em um contexto de diversidade
regional e marcado por uma determinação social complexa do processo de
saúde-doença. Sua robustez impacta em duas dimensões pouco claras em seu
desenho original: financiamento e burocracia.
Nesse contexto, oferecer saúde integral em todos os níveis significa
ofertar tudo o que está bem estabelecido na literatura médica, em uma visão
macro e micro da assistência, individualizando cada caso. O desafio é se
atualizar, manter protocolos periodicamente revisados e oferecer medicamentos e
tecnologias mais atuais e eficazes possíveis; o problema impacta, porém,
exatamente como dito: financiamento e burocracia.
No mote do conceito, juízes deliberam em favor de pacientes para medicamentos
ou procedimentos ainda não disponíveis no SUS. Justo. Havendo suporte
conceitual, indicação médica precisa (a partir de prescrições e condutas
idôneas, sem conflitos de interesse, sem interferência de laboratórios, sem
corrupção) é preciso, sim, oferecer o que há de melhor e eficaz, após, no
entanto, regulamentação estrita de agências como a Anvisa. Não estar disponível
no SUS não significa não ter indicação médica, o que força rotas colaterais
dentro e fora do sistema para prover a melhor assistência possível.
É preciso dinamizar e atualizar continuamente a oferta de medicamentos e
procedimentos. Alguns medicamentos são, à primeira vista, de alto custo, mas
podem representar chance de recuperação na forma de independência funcional e
menor morbidade, o que compensa enormemente seus custos.
Reduzir a burocracia, com comissões que revisem e criem protocolos e com
auditorias que atestem as prescrições de alto custo, feito nos planos de saúde
privados, é a forma, talvez, de prover o melhor tratamento de forma mais ágil e
menos judicializada.
NÃO
Moacir Tavares Martins
Filho
Professor Adjunto da
Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem da Universidade Federal do
Ceará (UFC)
Sou a favor da vida. Sou a favor do conceito de saúde já definido na
Constituição Federal no seu Art. 196, em que “é direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução
do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações
e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Sou a favor do conceito
de equidade, que é próximo de justiça e que pode ser resumido em tratar
desigualmente os desiguais. Em um país de abismos sociais e marcado pela
profunda desigualdade, se tratarmos a todos igualmente, alargaremos o fosso da
injustiça.
Sou a favor de financiamento suficiente para o SUS como já definido em
inúmeros e repetidos estudos comparativos entre países com sistemas de saúde e
padrões epidemiológicos assemelhados. Sou a favor da não ingerência mercantil
da indústria farmacêutica internacional que acelera o processo de produção
visando exclusivamente ao lucro e sem nenhum critério humanitário ou de
solidariedade. Sou a favor da quebra de patentes e do estímulo aos nossos
cientistas e centros de pesquisa.
Sou a favor do reforço da Anvisa para que disponham de recursos
suficientes para minimizar o tempo de testes e aprovação de componentes,
medicamentos aí inclusos. Sou a favor do ressarcimento ao SUS por parte de
planos e seguros de saúde das situações em que se eximam do tratamento e
imputem a responsabilidade à esfera pública. Sou a favor que as ações judiciais
não beneficiem quem pode pagar pelo próprio tratamento e assim inverta o
sentimento de solidariedade orgânica e basilar de qualquer sistema de saúde que
se pretenda público, universal e gratuito. Sou a favor que a justiça seja
democratizada, ou melhor, que o acesso seja ampliado e não apenas privilégio de
quem tenha mais informações, coincidindo assim com os que são mais bem
posicionados na desigual pirâmide social.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 13/11/2016. Opinião. p.10.
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