Por João Soares Neto (*)
Caro Pádua Lopes, desculpe-me por me imiscuir com a sua Safira. Não
a pedra preciosa azul usada nos anéis dos engenheiros e dos administradores. Escrevo
sobre a mulher erigida em seu romance, de capa do mesmo matiz, “Safira Não é Flor”.
Uma crendice assevera, para as pessoas nominadas Safira,
personalidade com sabedoria, fidelidade e razão. Imagina!
Não haveria muito a acrescentar à crítica segura de Dellano Rios
(DN, 05.11.2016). Refiro, mesmo sendo óbvio, nada há em mim de crítico
literário. Vou escrever o lido, o sublinhado, sem ordenação e raso como um pé
de alface.
Deixo para leitores cultos beber a história lavrada em 278 páginas,
palavra a palavra. Admito ser modéstia do Pádua se restringir à marotice de
presentear “Safira” a amigos. Obrigado, Pádua. Por favor, deixe o seu belo livro
aparecer em estantes condignas nas escassas livrarias locais, aviltadas e
semidestruídas pela incursão de empresas de capital aberto ou daquelas
financiadas a juros mínimos. Elas se estabeleceram aqui para vender de tudo.
Até livros.
Safira parece ter algo a ver com o citado no livro cinco dos Atos
dos Apóstolos, no Novo Testamento. Essa Safira bíblica foi, junto com o marido
Ananias, condenada à morte por faltarem à verdade ao Espírito Santo.
A Safira do Pádua não era santa, não foi condenada por sua
escapadela à Europa com alguém apenas conhecido via Internet. Ela o fez sem
sentimento de culpa, mesmo ao saber de outro estranho na empreitada. Larga o
marido e os três filhos. Iria, para consumo familiar, viajar com amigas.
Lá se foi Safira para a Itália, não para rezar, mas para
escarafunchar museus, igrejas, lojas, restaurantes com acepipes e vinhos,
hospedando-se em requintados ou simples hotéis, sem deixar de vivenciar
espelunca.
Passam por cidades como Veneza, Milão, Firenze e Roma. É exato aí
quando o autor se desfaz em ciente de artes, contando as histórias de cada obra
e do seu artífice. Ele diz: “Gostar de arte, no sentido de apreciá-la com
inteligência e sensibilidade, é uma etapa atingida por quem se emociona com a
mensagem estética”. Dou fé.
Transpostas as soleiras de igrejas, de praças, de museus, Safira se
espanta com a profusão de arte. A Itália é um grande museu, com várias
exposições marcando os signos e os significados de escolas e séculos
diferentes. Esse grande Museu há resistido a guerras e terremotos. Como o mais
recente. Os sismos podem sacudir a terra do indefectível Berlusconi, o vário,
mas não a destrói.
Depois de tudo visto, a trinca foi parar na Grécia. O fim do século
XX não era ainda pleno de barcaças com imigrantes árabes e africanos morrendo
ou singrando o Mediterrâneo, em busca da Europa a apontar não a entrada, mas a
saída ou, como dizem os ingleses, the Exit.
Devo arranjar um jeito de incluir a palavra tessitura. Ela aparenta
erudição. Não a possuo. Pois bem, há na tessitura de Lopes – fica chique assim
– um Aracati novo na brisa literária cearense.
Ele embaralha arte sacra e profana, história geral, geografia e o
enlevo picante de (des)amantes de primeira viagem. De sentença em sentença,
Pádua marca um ponto no bingo com o leitor.
Ele dá pista, falsa ou vera, de personagens ao falar do figurante
Melchior - não o Rei Mago - e de seus seguidores. Mostra pudor ao escrever
“calcinha íntima” e finaliza com cartas capitais.
Recomendo a leitura de Safira a quem gosta e sabe ler. Aos
embevecidos com a arte. Aos informados ou curiosos da História antiga e da
Renascença, com um mínimo de concentração para captar a saudável trama
urdida. Parabéns, Pádua.
(*) João Soares Neto é escritor e membro da Academia Cearense de
Letras.
Fonte: Publicado no jornal O Estado, 11/11/16.
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