terça-feira, 2 de janeiro de 2018

MEDICINA DESUMANIZADA

Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Desumanização significa ação ou efeito de desumanizar; fazer com que fique desumano; perder a essência humana. Em sua origem, a medicina ocidental era uma ciência humanística. Segundo Werner Jaeger (1888-1961), autoridade em História da Grécia Clássica, no seu livro Paideia: a formação do homem grego: “(…) de todas as ciências humanas então conhecidas, incluindo a Matemática e a Física, é a Medicina a mais afinada com os conceitos éticos de Sócrates”.
O processo de desumanização é uma das consequências do divórcio entre a medicina e as humanidades que ocorreu a partir do século XIX. Entender o desenvolvimento histórico é recolocar o papel das ciências humanísticas no contexto da formação do ensino médico, o solo onde foi plantada parte da visão holística do ser humano.
Hipócrates (nascido em Cós, na Grécia, aproximadamente no ano de 460 a.C., pai da Medicina) dizia: “as doenças não devem ser consideradas isoladamente, como um problema especial, mas é no homem vítima da enfermidade, com toda a natureza que o rodeia, com todas as leis universais que a regem e com a qualidade individual dele, que [o médico] deve se fixar para ter uma visão segura”.
As gêneses das doenças devem ser procuradas não apenas no órgão ou mesmo no organismo enfermo, mas fundamentalmente no que há de essencial no homem: sua alma.
Mais do que um biólogo, mais do que um naturalista, o médico deve ser um humanista. Um perito na formulação de diagnósticos não deve levar em conta apenas os dados biológicos. Recuperar a formação humanística dos profissionais de saúde deve ser a tarefa das Escolas Médicas. … qualquer recurso que leve o médico a conhecer melhor o espírito humano será de valor para a prática eficaz da arte médica, para a qual é necessário conhecer a pessoa em todas as suas dimensões.
Parece-me que o problema não é novo.
Os estudos humanísticos são os hormônios que catalisam o pensamento e humanizam a prática médica”, segundo William Osler (1849-1919), médico canadense e autor de um dos mais celebrados compêndios médicos, Princípio e Prática da Medicina, que aconselhava seus alunos a lerem, além de livros médicos, Shakespeare, Montaigne e Dom Quixote, para resgatar a importância da visão humanística da medicina.
Então, qualquer recurso que leve o médico a conhecer melhor o espírito humano será de valor para a prática eficaz da arte médica, para a qual é necessário conhecer a pessoa em todas as suas dimensões. Além do mais, as faculdades de medicina têm a obrigação de, nesta época de tanto avanço tecnológico, estarem atentas também à literatura produzida pelos médicos e quanto ao tipo de profissional que vão entregar à sociedade, pois a universidade é financiada pelos tributos tomados do povo (tanto estatais como particulares).
As Escolas Médicas têm o compromisso de preparar seus estudantes para as questões morais e éticas de sua vida profissional. Medicina é, antes de mais nada, conhecimento humano. E está tanto nos livros de patologia e clínica quanto nas grandes obras literárias de hoje e de ontem.
A medicina deve estar sempre voltada para o ser humano. Quando desumanizada de nada vale.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES). Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Foi um dos primeiros neonatologistas brasileiros.

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