Médico-Psicoterapeuta
Desumanização significa ação ou efeito de
desumanizar; fazer com que fique desumano; perder a essência humana. Em sua
origem, a medicina ocidental era uma ciência humanística. Segundo Werner Jaeger
(1888-1961), autoridade em História da Grécia Clássica, no seu livro Paideia: a
formação do homem grego: “(…) de todas as ciências humanas então conhecidas, incluindo a
Matemática e a Física, é a Medicina a mais afinada com os conceitos éticos de
Sócrates”.
O processo de desumanização é uma das
consequências do divórcio entre a medicina e as humanidades que ocorreu a
partir do século XIX. Entender o desenvolvimento histórico é recolocar o papel
das ciências humanísticas no contexto da formação do ensino médico, o solo onde
foi plantada parte da visão holística do ser humano.
Hipócrates (nascido em Cós, na Grécia,
aproximadamente no ano de 460 a.C., pai da Medicina) dizia: “as doenças não
devem ser consideradas isoladamente, como um problema especial, mas é no homem
vítima da enfermidade, com toda a natureza que o rodeia, com todas as leis
universais que a regem e com a qualidade individual dele, que [o médico] deve
se fixar para ter uma visão segura”.
As gêneses das doenças devem ser procuradas
não apenas no órgão ou mesmo no organismo enfermo, mas fundamentalmente no que
há de essencial no homem: sua alma.
Mais do que um biólogo, mais do que um naturalista,
o médico deve ser um humanista. Um perito na formulação de diagnósticos não
deve levar em conta apenas os dados biológicos. Recuperar a formação
humanística dos profissionais de saúde deve ser a tarefa das Escolas Médicas. …
qualquer recurso que leve o médico a conhecer melhor o espírito humano será de
valor para a prática eficaz da arte médica, para a qual é necessário conhecer a
pessoa em todas as suas dimensões.
Parece-me que o problema não é novo.
“Os estudos humanísticos são os hormônios que
catalisam o pensamento e humanizam a prática médica”, segundo
William Osler (1849-1919), médico canadense e autor de um dos mais celebrados
compêndios médicos, Princípio e Prática da Medicina, que aconselhava seus
alunos a lerem, além de livros médicos, Shakespeare, Montaigne e Dom Quixote,
para resgatar a importância da visão humanística da medicina.
Então, qualquer recurso que leve o médico a
conhecer melhor o espírito humano será de valor para a prática eficaz da arte
médica, para a qual é necessário conhecer a pessoa em todas as suas dimensões.
Além do mais, as faculdades de medicina têm a obrigação de, nesta época de
tanto avanço tecnológico, estarem atentas também à literatura produzida pelos
médicos e quanto ao tipo de profissional que vão entregar à sociedade, pois a
universidade é financiada pelos tributos tomados do povo (tanto estatais como
particulares).
As Escolas Médicas têm o compromisso de
preparar seus estudantes para as questões morais e éticas de sua vida
profissional. Medicina é, antes de mais nada, conhecimento humano. E está tanto
nos livros de patologia e clínica quanto nas grandes obras literárias de hoje e
de ontem.
A medicina deve estar sempre voltada para o
ser humano. Quando desumanizada de nada vale.
(*) Professor Titular da Pediatria
da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União
Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos
(ABRAMES). Consultante
Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Foi um dos primeiros
neonatologistas brasileiros.
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