Por Frei Aloísio Fragoso
Nos dias e mundo de hoje há sempre menos espaço para
a presença de profetas e o exercício da profecia. Assistimos com tristeza à
despedida de figuras brilhantes de bispos, consagrados à tarefa de profetizar,
homens de têmpera e de fé, que nos ensinaram como construir o Reino de Deus sem
nos descuidar do Reino da Terra, e nos convenceram que os dois convergem para o
mesmo fim. Foram-se Dom Hélder, Dom Paulo Evaristo, Dom Luciano, Dom Aloísio
Lorscheider e outros mais do Brasil e de outros países.
Hoje, 10 de dezembro, um deles, Dom Antônio Fragoso,
completaria 100 anos, se vivo fosse entre nós.
Eles viveram a saga comum a todos os grandes
profetas bíblicos, conforme o testemunho de Jeremias: "Seduziste-me, Senhor, e eu me deixei
seduzir". Algumas vezes tiveram a tentação do profeta Elias. Perseguido
pela rainha, incompreendido em sua missão, cansado e desiludido, caminhou mata
a dentro, sentou-se à sombra de uma grande árvore e desabafou: "Agora,
Senhor, basta! Não aguento mais! Manda-me a morte. Eu não sou melhor do que os
meus pais". A resposta de Deus foi deixar o profeta adormecer sobre sua
dor e, a seguir, enviar um mensageiro com este recado: "Levanta! Come e
bebe, pois ainda tens um longo caminho a percorrer".
Foi assim com Dom Fragoso. Para ele o mensageiro de
Deus foram os desprotegidos do Nordeste, os trabalhadores e trabalhadoras, os
marginalizados e excluídos. Por eles entregou-se para que Deus o fizesse forte
em suas fraquezas.
Não devemos deixar-nos abater pelo desaparecimento
dos profetas. Esta sensação natural de orfandade é só aparente. Os caminhos de
Deus não estão subordinados aos nossos cálculos e lógica. Quando parece que a
semente aniquilou-se, é que ela está apodrecendo no útero da terra para brotar
viva e fecunda.
Foi isso talvez o que Dom Fragoso quis dizer quando,
tendo deixado sua diocese, recolheu-se a uma comunidade pobre e deu por
encerrada sua missão de profetizar em outra terras.
Faz alguns anos, fui procurado por uma senhora de
idade avançada, que me disse: "quando Dom Fragoso foi sagrado bispo, eu tinha 13
anos. Fui encarregada de recitar um poema em sua homenagem.” E ela me entregou seu poema em
uma folha de papel amarelada. Vejam só o que diziam as últimas estrofes:
"Senhor,
permite que minha prece,
Neste
instante,
Meu
brado,
Que ecoa
confiante,
Chegue em
efusão
Às portas
do sacrário
E te
segrede
A Ti,
Hóstia sagrada:
É
necessário que eu parta,
Que siga
minha estrada,
Mas te
entrego com amor
Meu
coração operário.
Seguirei,
Senhor, meu itinerário,
Mas novas
massas espessas
De
operários
Venham
semeá-lo.
Abrirei
com amor
A alma e
o coração.
Para que
em meu caminho
Cumpra
minha missão.
É necessário que eu vá buscá-las."
A autora expressa o desejo oculto e profundo do novo
bispo (na época, assistente da JOC, Juventude Operária Católica): encontrar
operários, trabalhadores, e a eles dedicar, de modo especial, o seu pastoreio.
Era uma súplica profética. Ao longo dos anos seguintes, este anseio ampliou-se,
multiplicou-se, gerou conflitos, perseguições e conversões, foi ao encontro dos
que tinham fome e sede de Justiça, dos que precisavam reconquistar seus
direitos inalienáveis, sua esperança, sua dignidade.
Não sabemos o que Deus tem preparado para os
próximos anos. Mas de uma coisa não tenhamos dúvida: o suor, sangue, o
sacrifício e as lágrimas de profetas como Dom Fragoso tornam-se matéria-prima
nas mãos de Deus, para a construção do novo, do inesperado.
Pedimos que lá no céu, seu merecido lugar, ele se
junte os demais bispos profetas, que recordamos com saudade e carência, e sejam
nossos padroeiros no combate sem tréguas em favor da Justiça e da fraternidade.
Frei Aloísio Fragoso
Recife, 10/12/2020
Fonte: Internet (circulando por e-mails
e iPhones).
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