sábado, 19 de dezembro de 2020

CENTENÁRIO DE DOM ANTÔNIO FRAGOSO

Por Frei Aloísio Fragoso

Nos dias e mundo de hoje há sempre menos espaço para a presença de profetas e o exercício da profecia. Assistimos com tristeza à despedida de figuras brilhantes de bispos, consagrados à tarefa de profetizar, homens de têmpera e de fé, que nos ensinaram como construir o Reino de Deus sem nos descuidar do Reino da Terra, e nos convenceram que os dois convergem para o mesmo fim. Foram-se Dom Hélder, Dom Paulo Evaristo, Dom Luciano, Dom Aloísio Lorscheider e outros mais do Brasil e de outros países.

Hoje, 10 de dezembro, um deles, Dom Antônio Fragoso, completaria 100 anos, se vivo fosse entre nós.

Eles viveram a saga comum a todos os grandes profetas bíblicos, conforme o testemunho de Jeremias:  "Seduziste-me, Senhor, e eu me deixei seduzir". Algumas vezes tiveram a tentação do profeta Elias. Perseguido pela rainha, incompreendido em sua missão, cansado e desiludido, caminhou mata a dentro, sentou-se à sombra de uma grande árvore e desabafou: "Agora, Senhor, basta! Não aguento mais! Manda-me a morte. Eu não sou melhor do que os meus pais". A resposta de Deus foi deixar o profeta adormecer sobre sua dor e, a seguir, enviar um mensageiro com este recado: "Levanta! Come e bebe, pois ainda tens um longo caminho a percorrer".

Foi assim com Dom Fragoso. Para ele o mensageiro de Deus foram os desprotegidos do Nordeste, os trabalhadores e trabalhadoras, os marginalizados e excluídos. Por eles entregou-se para que Deus o fizesse forte em suas fraquezas.

Não devemos deixar-nos abater pelo desaparecimento dos profetas. Esta sensação natural de orfandade é só aparente. Os caminhos de Deus não estão subordinados aos nossos cálculos e lógica. Quando parece que a semente aniquilou-se, é que ela está apodrecendo no útero da terra para brotar viva e fecunda.

Foi isso talvez o que Dom Fragoso quis dizer quando, tendo deixado sua diocese, recolheu-se a uma comunidade pobre e deu por encerrada sua missão de profetizar em outra terras.

Faz alguns anos, fui procurado por uma senhora de idade avançada, que me disse: "quando Dom Fragoso foi sagrado bispo, eu tinha 13 anos. Fui encarregada de recitar um poema em sua homenagem.” E ela me entregou seu poema em uma folha de papel amarelada. Vejam só o que diziam as últimas estrofes:

"Senhor, permite que minha prece,

Neste instante,

Meu brado,

Que ecoa confiante,

Chegue em efusão

Às portas do sacrário

E te segrede

A Ti, Hóstia sagrada:

É necessário que eu parta,

Que siga minha estrada,

Mas te entrego com amor

Meu coração operário.

Seguirei, Senhor, meu itinerário,

Mas novas massas espessas

De operários

Venham semeá-lo.

Abrirei com amor

A alma e o coração.

Para que em meu caminho

Cumpra minha missão.

É necessário que eu vá buscá-las."

A autora expressa o desejo oculto e profundo do novo bispo (na época, assistente da JOC, Juventude Operária Católica): encontrar operários, trabalhadores, e a eles dedicar, de modo especial, o seu pastoreio. Era uma súplica profética. Ao longo dos anos seguintes, este anseio ampliou-se, multiplicou-se, gerou conflitos, perseguições e conversões, foi ao encontro dos que tinham fome e sede de Justiça, dos que precisavam reconquistar seus direitos inalienáveis, sua esperança, sua dignidade.

Não sabemos o que Deus tem preparado para os próximos anos. Mas de uma coisa não tenhamos dúvida: o suor, sangue, o sacrifício e as lágrimas de profetas como Dom Fragoso tornam-se matéria-prima nas mãos de Deus, para a construção do novo, do inesperado.

Pedimos que lá no céu, seu merecido lugar, ele se junte os demais bispos profetas, que recordamos com saudade e carência, e sejam nossos padroeiros no combate sem tréguas em favor da Justiça e da fraternidade.

Frei Aloísio Fragoso

Recife, 10/12/2020

Fonte: Internet (circulando por e-mails e iPhones).

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