Por Gulnar Azevedo e Silva (*)
Em
meio ao aumento da mortalidade da pandemia de Covid-19, chegando a mais
de 245 mil óbitos, a sociedade brasileira tem testemunhado outro
crescimento estarrecedor. Aumentam as investidas de agentes privados em
tentativas de aquisição das vacinas anti-covid diretamente no
mercado. Algumas veladas, como associações corporativas que negociam benesses
para castas jurídicas. Outras, escancaradas, como a mobilização do grande empresariado
paulista e das clínicas particulares e suas associações de classe. Avalizadas
pelo presidente da República, mesmo que depois esvaziadas por porta-vozes do
Ministério da Saúde, essas movimentações não deixam dúvidas dos interesses que
orientam o Palácio do Planalto.
Dar
aval a qualquer tipo de compra ou aquisição por fora dos contratos públicos
firmados pelo Ministério da Saúde com a Fiocruz e o Instituto Butantan se
configura como autorização oficial para desacreditar o esquema
vacinal dos grupos prioritários proposto pelo próprio governo. É oficializar o
"fura-fila" e mais um desrespeito ao direito constitucional à saúde.
Apesar
de falhas e omissões denunciadas pela Abrasco e as outras entidades que compõem
a Frente Pela Vida, o Programa Nacional de Imunizações (PNI)
estabeleceu um ordenamento na vacinação de acordo com os grupos de maior risco
de desenvolver quadro clínico da Covid-19 que necessite de cuidado
médico-hospitalar, baseado em consenso internacional.
Num
cenário de escassez mundial na oferta de vacinas
anti-Covid-19, a liberação dessas aquisições é danosa e imoral porque rompe com
a universalidade e a gratuidade do Sistema Único de Saúde, o SUS.
Além de dar acesso privilegiado à parte da população, é uma medida ineficiente
em relação à dinâmica da pandemia e jogaria contra a própria saída da crise
econômica por parte do setor produtivo, impedindo que a pandemia
seja controlada e aumentando a iniquidade social no país. Temos que estar
unidos para cobrar do governo vacina para todas e todos, o retorno do auxílio
emergencial e o financiamento adequado do SUS.
(*) Médica.
Professora do IMS/UERJ. Presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva
(Abrasco).
Fonte: Publicado In: O Povo, de 22/2/2021. Opinião. p.18.
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