O sonho de comer que só impingem
Me
lembro que se fosse há 50 e poucos anos, mamãe dando carão em quaisquer dos 10
bruguelos se acaso algum de nós inventasse de falar enquanto comia. E se fosse
com a boca cheia de farofa, era cagaço dobrado, com direito a chinelada de
currulepe no espinhaço. Era falta de educação, de modos, falta de peia, coisa
de quem foi criado sem pai nem mãe. O rela que o sujeito levava era medonho:
-
Coma de boca cheia não, peste! Mastigue e engula primeiro, depois desembucha!
E
se o menino bodejasse alto, mastigando carne de segunda meio crua ainda,
fazendo aquela zoadinha característica de não sei quê, o esbregue era federal:
-
Paaaara, bicho do mato! Tá mastigando bosta, é?!?
Hoje,
sabendo que falta dicumê em muita casa pelaí, imagino um pai de família
correndo o olhar nos 10 bruguelos que botou no mundo, que nem mãe fazia com a
reca dela, todos sentadinhos à mesa, sem um caroço de piqui pra roer, o bucho
colado no espinhaço... Imagino o velho a torcer por uma falta de educação entre
os seus.
-
Nem que seja com a boa cheia d'água, meus bichim, fale! Pai num briga não!
Fala cearense em alta. Sempre!
Vi
numa postagem do amigo Edmilson filho que um povo da academia fez estudo do
cearensês abundante nos filmes que ele protagoniza, com a direção do igualmente
genial Halder Gomes. Precisa de legenda, sim, pra entender esse verdadeiro
dialeto que ainda haverá de superar em categoria o mandarim. A pedidos, vão
aqui algumas expressões que poderão cair na prova do ITA.
- Cada vez mais frescando menos - Estado em que se encontra hoje o
grandissíssimo moleque de ontem, cansado já de caçoar dos outros.
- Cair no gôto
- Esgasgar-se com saliva ou água.
- Gargalejar
- Gargarejar, "gurgulejar".
- Gigolô da macaca
- O homem que ganha a vida às custas das cambalhotas de uma macaquinha vestida
de mulher nas feiras-livres de ontem.
- Na casa do sem jeito... - Agora é tarde, babau! Sem solução!
- Não ter o dom dum urubu - Não saber fazer coisa alguma.
- Pagar o Ferreira
- Defecar.
- Panela derrotada
- Panela vazia.
- T'esconjuro, infeliz das costa ôca! - Sai daí, cão do mêi dos infernos!
Chispa! Corre! Vai-te!
- Tinindo nos cascos - Brilhando, no ponto máximo - grau dez!
Tolice dele, parvoíce!
Educação
é tudo de bom, não ter um celular com um mínimo de carga é tudo de muito
péssimo demais. Quanto liberta saber e discernir e sentir. Quanto arromba a
falta dum carregador na ora em que mais se necessita dum celular. Essa
besteirada toda é pra falar dum povo de bom trato que conheço, gente do bem que
de tudo sabe um pouco e mais quer saber. É a família do colega Nanu. Jantavam
todos, vendo o telejornal, quando o narrador contou das "estultices"
de um certo político. Nanu pergunta:
-
Diabeisso? Estultice?
-
Deve ser astutice, o apresentador errou. Coisa de caba astuto - retrucou
Marlinda, irmã de Nanu.
-
É não, é matutice, coisa de matuto... - esclareceu Joaquim, irmão de Nanu.
O
narrador reiterou: "O líder, com suas estultices, ainda vai melar
a..."
-
Já que não tem dicionário de papel nessa casa, alguém tem um celular aí pra ver
que marmota de palavra essa? - pede Nanu.
-
Tá tudo descarregado. E os carregadô, distorado... - lamentou Biliu, tio de
Nanu.
-
Na minha mente é isturdia - ensinou a mãe de Nanu.
E
a discussão acabou.
Fonte: O POVO, de 18/02/2022. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
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