No Dia do Trabalhador (1º de maio), o Conselho Federal de
Medicina (CFM) rebateu as declarações da Presidente da República Dilma Rousseff
que afirmou que médicos cubanos são mais atenciosos que os brasileiros. Em nota
divulgada à imprensa, a entidade aponta que tal declaração representa mais uma
agressão direta e gratuita aos 400 mil profissionais que têm se empenhado
diuturnamente no suporte às políticas de saúde e no atendimento à população nas
redes pública e privada.
O CFM ainda enfatiza à Presidente que a Medicina brasileira
está entre as melhores do mundo. "Seus representantes são referência
internacional no diagnóstico e no tratamento de doenças e, apesar da ausência
de estímulos do Estado e das parcas condições de trabalho, agem como heróis em
postos de saúde, em ambulatórios e nos hospitais e prontos-socorros,
constantemente abarrotados por cidadãos com dificuldade de acesso à
assistência".
No documento, o CFM ainda destaca os sucessivos relatórios
e levantamentos (nacionais e internacionais) que apontam um cenário de guerra,
no qual médicos e pacientes são vítimas. Entre os dados há informações da OMS,
do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), além do Tribunal de
Contas da União (TCU). Para o CFM, esta coletânea confirma o estado
de urgência e crise a qual passa a saúde pública brasileira.
Leia abaixo a íntegra da carta aberta à Presidente.
CARTA
ABERTA À PRESIDENTE DILMA ROUSSEFF
Brasília, 1º de maio de 2014
Excelentíssima Presidente da República Federativa do Brasil
Senhora Dilma Vana Rousseff
Neste 1º de maio, data em que internacionalmente se
comemora o Dia do Trabalhador, nós, médicos brasileiros, de forma respeitosa,
expressamos nosso sentimento de tristeza e de indignação com comentários
atribuídos à Vossa Excelência.
De acordo com notícias publicadas pela imprensa, Vossa
Excelência disse que "eles (médicos cubanos) são mais atenciosos que os
brasileiros". Tal afirmação representa mais uma agressão direta e gratuita
aos 400 mil profissionais que têm se empenhado diuturnamente no suporte às
políticas de saúde e no atendimento à população nas redes pública e privada.
Ao contrário do que foi dito, Senhora Presidente, a
Medicina brasileira está entre as melhores do mundo. Seus representantes são
referência internacional no diagnóstico e no tratamento de doenças e, apesar da
ausência de estímulos do Estado e das parcas condições de trabalho, agem como
heróis em postos de saúde, em ambulatórios e nos hospitais e prontos-socorros,
constantemente abarrotados por cidadãos com dificuldade de acesso à
assistência.
Talvez o desespero de alguns poucos médicos diante de uma
demanda crescente, da ausência de suporte e da incompetência dos gestores cause
a falsa impressão de insensibilidade. Na verdade, Senhora Presidente, são
profissionais que foram brutalizados pelo Estado. Desmotivados e sem esperança,
tentam seguir adiante sem as mínimas condições de exercer uma medicina de
qualidade e nem de estimular uma boa relação médico-paciente.
Cientes deste quadro, por meio de nossas entidades de
representação, nós, médicos brasileiros, já lhe entregamos pessoalmente
propostas para mudar essa realidade. Entre elas, estavam o aumento de
investimentos em saúde, a modernização da gestão e a criação de uma carreira
pública para os médicos e outros profissionais do SUS. Nunca obtivemos
resposta. Apenas acompanhamos pela TV o anúncio de um programa de importação de
profissionais que está longe de resolver de forma estruturante o caos da saúde.
Os números mostram que a saúde pública brasileira está em
crise. Os sucessivos relatórios e levantamentos (nacionais e internacionais)
apontam um cenário de guerra, no qual médicos e pacientes são vítimas.
Relembramos a Vossa Excelência apenas alguns dados e informações que dão uma
pálida ideia do que o país atravessa.
• O Brasil ficou em último lugar - entre 48 nações – num
estudo internacional sobre a eficiência dos serviços de saúde, o qual cruzou
dados do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização
Mundial da Saúde (ONU). A frente, ficaram países como o Chile, a Argentina, o
Equador e a Argélia.
• O governo é responsável por apenas 47% de tudo o que é
gasto em saúde no país, segundo dados da OMS. Na média mundial, o setor público
garante 56% dessa cobertura.Em países com sistemas universais como o brasileiro
(Inglaterra, Canadá, Espanha, Portugal e França) ficam acima de 70%.
• O Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES)
mostra que, desde janeiro de 2010, foram desativados quase 13 mil leitos na
rede pública de saúde, ou seja, uma média de 10 por dia. Os cortes têm
prejudicado, especialmente, as internações nas áreas de psiquiatria (- 7.449
leitos), pediatria (-5.992), obstetrícia (-3.431) e cirurgia geral (-340).
• Análise do orçamento da União prova que dos R$ 47,3
bilhões gastos com investimentos pelo Governo Federal, em 2013, o Ministério da
Saúde foi responsável por apenas 8,2% dessa quantia. Do total de R$ 9,4 bilhões
disponíveis para investimentos em unidades de saúde, em 2013, o governo
desembolsou somente R$ 3,9 bilhões, incluindo os restos a pagar quitados
(compromissos assumidos em anos anteriores rolados para os exercícios
seguintes).
• Os dados mostram ainda que nos últimos 13 anos (2001 a
2013) foram autorizados R$ 80,5 bilhões específicos para investimentos. No
entanto, apenas R$ 33 bilhões foram efetivamente gastos e outros R$ 47,5 bilhões
deixaram de ser investidos. Em outras palavras, de cada R$ 10 previstos para a
melhoria da infraestrutura em saúde, R$ 6 deixaram de ser aplicados.
• Com este recurso, seria possível adquirir 386 mil
ambulâncias (69 para cada município brasileiro); construir 237 mil Unidades
Básicas de Saúde (UBS) de porte I (43 por cidade); edificar 34 mil Unidades de
Pronto Atendimento (UPA) de porte I (seis por cidade) ou, ainda, aumentar em
936 o número de hospitais públicos de médio porte.
• De acordo com dados oficiais, apenas 11% das ações
previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2) para a área da saúde
foram concluídas desde 2011, ano de lançamento da segunda edição programa. Das
24.066 ações sob responsabilidade do Ministério da Saúde ou da Fundação
Nacional de Saúde (Funasa), pouco mais de 2.500 foram finalizadas até dezembro
do ano passado. Cerca de 50% das ações previstas ainda continuam no papel, ou
seja, nos estágios de "ação preparatória", "contratação" ou
"licitação".
• Relatório sistêmico de fiscalização da saúde, elaborado
pelo Tribunal de Contas da União (TCU), concluiu que, no que se refere ao tema
da Assistência Hospitalar no SUS, existem problemas graves, complexos e
recorrentes, relacionados a: insuficiência de leitos; superlotação de
emergências hospitalares; carência de profissionais de saúde; desigualdade na
distribuição de médicos no País; falta de medicamentos e insumos hospitalares;
ausência de equipamentos ou equipamentos obsoletos, não instalados ou sem
manutenção; inadequada estrutura física; e insuficiência de recursos de
tecnologia da informação. De acordo com o órgão, 64% de 116 hospitais visitados
apresentam taxa de ocupação da emergência maior do que a capacidade prevista, e
em 19% essa situação ocorre com alguma frequência. Em apenas 6% não ocorre essa
superlotação.
• Relatório da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da
Câmara dos Deputados (CDHM) – resultado de visitas a urgências e emergências de
todo o país – confirmou o quadro grave no qual se encontram essas áreas do
atendimento, classificado como de penúria sistêmica com falta de leitos de
Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e de condições básicas para o atendimento,
ferindo a dignidade e os direitos dos cidadãos brasileiros, previstos na
Constituição Federal.
Poderíamos elencar uma série de outros dados, informações e
relatos que revelam este cenário desolador e que sugere a necessidade de ações
imediatas por parte do Governo. Com certeza, o Brasil tem urgência de ser bem
tratado e ignorar a realidade descrita de nada adianta. Para tanto, devem ser
tomadas medidas efetivas, distantes do apelo midiático ou do marketing.
Finalmente, acreditamos que mais que ninguém a Senhora pode
testemunhar sobre a competência, o respeito e o carinho com que os médicos
brasileiros tratam seus pacientes, acompanhando-os nas duras etapas do
diagnóstico e tratamento até a cura.
Por isso, não compreendemos como esse conhecimento íntimo
de como nós agimos quando chamados à ação não seja lembrado pelo Governo até em
oportunidades festivas como a de hoje, 1º de Maio, data na qual nós, médicos,
assim como qualquer outro trabalhador, merecíamos ao menos o reconhecimento
pelo que temos feito por todos os nossos pacientes – inclusive a Senhora – e
pela saúde do país.
Respeitosamente,
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA - CFM
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