Meraldo
Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Até hoje perdura a discussão entre críticos
literários e acadêmicos sobre quem seria o maior escritor brasileiro: Machado
de Assis (1839-1908) ou Lima Barreto (1881-1922). Sem entrar no mérito da questão, acredito que
Machado sofria a influência europeia e era um tanto gongórico. Quanto a
escritos em português-brasileiro, prefiro Lima Barreto. Considero os dois a
principal dupla da crônica e do romance no Rio de Janeiro da virada do Século
XIX. Ambos eram mulatos.
O preconceito camuflado, que persiste até hoje, não
poderia aceitar que um mestiço, filho de escrava, alcançasse ser reconhecido
literariamente, o que era o caso do Lima Barreto. Neto de escravos em contato
com brancos que o veem como ser inferior, Afonso Henrique de Lima Barreto (esse
é o seu nome completo) introduziu o “negrismo” na literatura brasileira.
Descreve as mazelas nacionais com o olhar de um
brasileiro e não com hipocrisia, como grande parte dos escritores seus contemporâneos.
Não tenho dúvidas em afirmar que o Brasil está mais nos seus textos do que em
textos da maioria dos nossos letrados, nos trinta primeiros anos da Proclamação
da República.
Poderia também lembrar que ele foi o pioneiro da
nossa ficção e também o primeiro a divisar os brasileiros em função da
sociedade em que viviam. Fosse o seu personagem um elegante membro da fina flor
da elite nacional que pensava em francês ou inglês ou, pior, que vivia de
aparências que estava longe de possuir, ou um homem da roça, analfabeto,
pertencente a uma casta que nem existia como gente.
Aconselho a leitura ou releitura, neste momento de
grave crise nacional, um dos melhores livros deste autor: Triste Fim de
Policarpo Quaresma. O personagem principal, major Quaresma, é antes de tudo um
brasileiro. Patriota ingênuo, vivendo numa sociedade incaracterística que
acreditava no Brasil formado à sua imagem e semelhança, deseja salvar o país
dos políticos corruptos, mas só provoca risos. Terminou sendo fuzilado a mando
do Marechal Floriano Peixoto (1839-1895).
O importante deste livro, publicado primeiro como
folhetim no ano de 1911, surpreende o leitor pelo seu caráter profético.
Comprova a incompetência dos nossos políticos, a burocracia das repartições públicas,
o clientelismo, a injustiça social, preconceitos, etc. Mas o que isso tem a ver
com o momento atual?
Tenho muito receio de que nada (ou pouco) mudou em
mais de um século de vida nacional, desde a publicação do Quaresma. Ficou
apenas mais fácil detectar os malfeitos, dados os avanços tecnológicos. Que isso
não venha tão somente constituir mais um espasmo transitório. Lembrem-se de que os clássicos são sempre
atuais, por isso são considerados clássicos.
(*) Professor Titular da Pediatria
da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União
Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos
(ABRAMES).
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