Rosa e Isaac Blum,
que se apaixonaram há 75 anos, em sua casa no Brooklyn, Nova York
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Por Corey Kilgannon /
Joshua Bright (fotos)/The New York Times
No Dia dos Namorados [nos EUA 14 de fevereiro, o Dia de São
Valentim], os casais muitas vezes se lembram do momento exato em que souberam
que continuariam juntos --durante as férias, em um jantar elegante ou, talvez,
ao conhecer seus futuros sogros.
Para Isaac e Rosa Blum, que começaram a namorar na
adolescência, 75 anos atrás, em um gueto polonês, esse momento foi quando eles
e milhares de outros judeus aterrorizados eram levados para um campo da morte
por soldados nazistas.
"Eu a vi andando na
minha frente", lembra Blum. "Aproximei-me do alemão e disse: 'Essa é minha irmã',
apesar de ela ser minha namorada."
Milagrosamente, ambos foram retirados da fila e conseguiram
sobreviver ao Holocausto trabalhando como escravos em uma fábrica de munições.
Em comparação, os 70 anos seguintes foram uma brincadeira, disse o casal na
segunda-feira (13/02/17) em sua casa de dois andares no Brooklyn.
Ele tem 94 anos e ela, um a menos. Solicitados a contar sua
longa história de amor, eles comentaram que seria absurdo envolver um romance
incubado no inferno do Holocausto nos enfeites dourados do Dia dos Namorados.
"É uma história
misturada, você não vai conseguir juntar os pedaços", disse Blum, enquanto admitia que sim, foi um amor
jovem e ousado que o levou a enfrentar um guarda nazista e salvar sua amada do
envio ao campo da morte de Treblinka.
Um casamento apressado se seguiu, e então uma lua-de-mel
horrível: olhares furtivos e breves conversas sob a vigilância rígida de
guardas armados.
Retrato de Isaac e
Rosa Blum quando eles tinham cerca de 30 anos de idade e viviam na Argentina
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Em 1941, os nazistas tinham ocupado a cidade polonesa de
Czestochowa e estabelecido um gueto com cerca de 45 mil judeus. Foi nesse
ambiente sombrio que os dois se conheceram, flertaram, se reuniram com amigos,
tocaram discos e dançaram juntos.
No outono de 1942 --ele tinha 17 anos e ela 16--, os
nazistas estavam reunindo os judeus para o extermínio. Blum foi retirado da
fila para trabalhar na fábrica, enquanto sua família foi empurrada na direção
dos trens que iam para Treblinka. Ele nunca mais os viu.
Naquele momento caótico e terrível, ele avistou Rosa,
corajosamente abordou um oficial nazista e tentou salvar a adolescente que
caminhava à frente com sua família. O soldado nazista a agarrou e perguntou se
era irmã de Isaac, como ele afirmava. Ela disse que sim.
"Eu era jovem e
forte, boa para trabalhar", disse Rosa.
"Ele disse: 'Venha comigo' e eu fui
tirada da fila."
As memórias continuam vívidas e amargas hoje, mas o lado
positivo é que eles ainda têm um ao outro para envelhecer juntos, vivendo quase
de forma independente e cuidando um do outro.
Ele a chama por um nome carinhoso em polonês que significa
"velha". Ela o chama simplesmente de Blum e faz suas sopas favoritas
todos os dias.
Isaac Blum é um sujeito sério, que considera ficar de mãos
dadas uma tolice e, verdade seja dita, não vê significado no Dia dos Namorados.
"Ele não é muito
romântico", disse Rosa, mas sua dedicação
se revela nos pequenos presentes e em gestos carinhosos quase a contragosto.
"Temos um ponto de
vista muito diferente, mas de alguma forma sobrevivemos", disse ela. "O
que nos mantém juntos são as brigas. Esse é o cimento de um casamento."
"Eu o amo apesar de
todos os seus defeitos", disse Rosa.
"Não é tão fácil, mas eu não o trocaria
por ninguém."
Os dois são espertos e ativos física e socialmente, mesmo
que não sejam mais os jovens valentes que foram escolhidos para trabalhar para
os nazistas.
Com suas famílias enviadas à morte, eles foram colocados em
um gueto menor com cerca de 5.000 judeus. A mentira sobre serem irmãos fora
esquecida, e eles obtiveram uma licença de casamento para que pudessem morar
por um curto tempo em uma residência para casais, antes de serem separados em
barracões diferentes no local da fábrica, que era patrulhada por guardas
armados.
Isaac e Rosa Blum em
sua casa no Brooklyn, Nova York
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Eles trabalhavam muitas horas, ela como soldadora e ele como
eletricista, o que lhe dava a oportunidade de se aproximar do local de trabalho
de Rosa e trocar olhares disfarçados. Eles adoravam os poucos minutos de contato
durante o "chamado almoço", lembra Rosa.
"Não sabíamos se
iríamos viver, e queríamos estar juntos",
disse ele.
Quando se soube que a maioria dos judeus estava sendo
assassinada nos campos da morte, eles ficaram incrédulos e se consideraram
felizes apesar do sofrimento.
"Não sabíamos que se
podiam construir fábricas para matar pessoas",
disse Isaac Blum. "Não queríamos
acreditar nisso."
Enquanto Rosa Blum preparava o almoço para seu marido na
segunda-feira, ela contou que ainda tem pesadelos sobre os horrores, que
incluíam ser revistada nua com um grupo de mulheres enquanto soldados alemães
observavam e riam. E ela esteve em um pavilhão médico depois de ser empurrada
em uma escada por um nazista. Ali encontrou uma jovem judia que tentou esconder
que estava grávida. Enfermeiras judias afogaram o bebê em um balde, temendo que
o choro do bebê condenasse a todas.
Depois de ser libertados pelos Aliados perto do fim da
guerra, em 1945, o casal ficou em um campo de pessoas deslocadas e se casou
pela segunda vez, diante de uma autoridade da Áustria, com alianças
emprestadas.
Pouco depois, eles conseguiram fazer suas alianças com uma
moeda de prata que esconderam durante meses. As duas alianças se gastaram ao
longo dos anos e os Blum nunca as substituíram.
Eles se mudaram para a Argentina e se casaram pela terceira
vez, em uma cerimônia mais apropriada. Tiveram dois filhos e mudaram-se em 1963
para Nova York, onde Isaac Blum abriu um negócio de casacos de pele. Rosa fazia
a maior parte do trabalho manual.
Eles se mantêm ocupados em parte com os programas para
sobreviventes do Holocausto oferecidos pelos Selfhelp Community Services, que é financiado em parte pela
UJA-Federation de Nova York.
Refletindo sobre por que arriscou a vida ao se aproximar do
soldado nazista naquele dia em 1942, Isaac Blum disse simplesmente: "Eu queria ficar com ela".
Então Rosa Blum olhou com adoração para seu salvador nada
romântico de 94 anos e disse: "Eles
poderiam tê-lo matado ali mesmo, mas ele me amava e queria ficar comigo".
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Fonte: The New York Times, de 15/02/2017.
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