Por Tales de Sá
Cavalcante (*)
"Os
mexicanos saíram dos índios, os brasileiros saíram da selva, mas nós - os
argentinos - chegamos de barcos. E eram barcos que vinham de lá, da
Europa." Por meio dessas palavras, o presidente argentino Alberto
Fernández errou no conteúdo e no continente.
O
primeiro equívoco se deu porque a afirmação é inverídica, arrogante,
preconceituosa e infeliz. O segundo, uma vez que a citação é trecho da música
"Llegamos de los barcos", de Litto Nebbia, mas Fernández afirmou ser
do poeta Octavio Paz.
Em
dupla falta, o político revela desconhecimento histórico e expõe o preconceito contra
o diferente, como inferior.
A
meu juízo, os portenhos, em maioria e sem simultaneidade com um
Brasil x Argentina no futebol, discordam de seu líder. Este e a maior parte de
seus pares da América do Sul não possuem os predicados de estadista.
Para
o grande Sócrates, os "governantes não deveriam ser os que por
conduzirem um cetro dito divino eram reis, os eleitos por sorteio, os que por
violência ou fraude usurparam o poder, nem os eleitos pela multidão, senão os
que sabem governar".
Em
pleno século V a.C., dizia ele que "na arte de fiar, as mulheres dirigem
os homens, pois a conhecem e disso os homens nada entendem".
O
filósofo condenava a democracia por eleger o mais popular, e
não o mais sábio. Este, em sincronia com Sócrates, diria: "Só sei que nada
sei."
Se
Fernández seguisse Montaigne em "Dos canibais",
talvez abandonasse o etnocentrismo e não mais considerasse sua cultura um
padrão e superior às demais.
Ele
saberia que os indígenas e a Natureza viviam em harmonia, e em seus costumes
não havia mentira, traição, avareza e outros vícios, não tinham escravos,
nem distinção entre ricos e pobres, e silvícolas que foram a Paris
revoltaram-se com o contraste do luxo da corte perante a miséria da plebe.
Honra-nos
sermos índios, europeus, pretos, brancos, pardos ou amarelos e cidadãos do
mundo que, de bem com a vida, amam o Brasil.
Mas
almejamos que doravante o argentino observe a máxima utilizada por qualquer
índio Cheyenne: "Não julgue seu vizinho até que você ande duas
luas em seus sapatos."
(*) Reitor do FB
UNI e Dir. Superintendente da Org. Educ. Farias Brito. Membro da Academia
Cearense de Letras.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 1/7/21. Opinião, p.18.
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