O homem que fazia
até meinino
E
o diabo do botão da descarga do banheiro de casa pifou justo no dia em que o
casal interava 30 anos de "convívio domiciliar aceitável". Estrompou
a rosca da válvula, e quengou a boia. A água não descia da caixa. E dali a uma
hora e meia o povo convidado começaria a chegar pra encher o bucho de baião de
dois e cerveja - e paçoca e guaraná. E cinzano e bolo mole. Tinoco e Mundinha
tinham que pensar vexado na solução.
-
Já sei! - descobriu ela.
-
Desembuche, então! - animou-se ele.
-
Zé Legal, vizinho de mamãe. Chegou tem dias na cidade! Dizem que é torneiro
mecânico de gabarito federal!
-
Pois manda chamar o sujeito, ligeiro! Cumpade Honório tá já riscando aqui!
Pronto.
Zé botou um barbante novo para acionar o mecanismo regulador da boia e a água
agora flui serena para o vaso sanitário. Chamou o dono da casa pra ver se tava
tudo no jeito - "aprovado". Tinoco paga e, sem ver de quê, reclama-se
do cabelo grande demais, "tô parecendo jumento novo", e que ainda
tinha de ir salão de barbeiro desbastar a cabeleira. Ocorre que Zé Legal tem
grata novidade:
-
Seu Tinoco, eu também faço cabelo, barba e bigode. Tenho curso do Senac...
-
Pois corte já essa minha juba! Cumade Augusta chega já com reca de gente dela.
Ficou
bacana o "prinspe de galo" operado. Tinoco paga - 15 reais e 50. E,
de novo, sem ver de quê, resmunga o estado em que se encontrava a parede da
sala - mal rebocada, em um dia tão especial como aquele. Afinal, são três
décadas de mancebo com sua Raimundinha Olivério. Mais uma surpresa:
-
Se o senhor se astrever me contratar, passo já uma mão de cal e a sala fica só
o píper!
-
E tu sabe pintar parede, macho?
-
Fui ajudante de papai, Chico Pintor.
-
Pois não perca tempo e dê o grau! João meu irmão não demora bater aqui...
E
Zé Legal mostra habilidades, ainda, consertando a televisão, a enceradeira e um
moedor de carne; tirou quatro goteiras, aguou o jardim, capou o cachorro... A
dez minutos de Cumpade Honório dar as caras para a festança, dinheiro todo no
bolso, Zé despede-se gentil, com o sentimento de dever demais cumprido:
-
Tenham uma noite maravilhosa, vocês e seus filhos.
-
Temos filhos não. Tinoco gorou, tem problema de fertilidade - redarguiu
Mundinha acanhada.
E,
sem ver de quê, Zé Legal entrega à mulher seu cartãozinho de apresentação.
-
Precisando, é só me chamar!
Eu corto um dedo
da mão!!!
Dois
amigos proseiam na Praça da Matriz. O raivoso começa o bodejado, lamentando que
"pisou em rastro de corno".
-
Tenho motivo pra dizer isso, amigo Penico Cheio: acabo de dar um jeito no
pescoço, tô com a doença do caroço, cortaram meus "aposentos"
(aposentadoria). E o pior...
-
Fique frio, colega! Se é assim que tem que ser, é porque é assim. Nem amarrado
eu saio do meu torrão natal!
-
Conversa é essa?!? Como é que pode prestar um lugar em que ninguém é conhecido
pelo nome do batistério? É só apelido, apelido, apelido!
-
Eu acho é pouco! Quero que o açude pegue fogo pra eu comer tilápia assada!
-
Com licença da má palavra, mas um vereador "Sungão"; um padre
"Santo do Pau Oco"; um farmacêutico "Dose Única"; um delegado
"Peixeira"; um coveiro Mais Tarde...
-
Sem falar de ti, né? Chega me dá uma coisa ruim te chamar...
-
Povo sem futuro! Por isso que eu quero ir embora daqui!
-
Vá não, Amarildo!
Fonte: O POVO, de 8/7/2021. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
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