Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
No bairro da Boa Vista, na cidade do Recife, a rua
da Alegria foi uma das últimas a receber iluminação pública a eletricidade. Por
isso, foi por muito mais tempo embelezada pelos lampiões de gás, “Fabricados na
Inglaterra”.
Românticos, porém pouco eficientes quanto à sua
funcionalidade. E, como acontece com todo mundo, os seus moradores
ressentiam-se da falta desse progresso, frustrava-os residir em rua sem
iluminação elétrica. Criam-se vítimas de discriminações da vereança ou outras
fantasias. O meu pai e minha mãe, também. As crianças, ‘idem’. Até as
domésticas estavam revoltadas numa união única de patroa com empregada.
Esgotados os trâmites administrativos, políticos ou
legais para agilizar a eletrificação de nossa via pública, os moradores se
constituíram em comissão das mais insignes para, em conjunto, acionarem através
do poder da mídia o procrastinado pleito da modernização de nossa amada rua.
Procurado foi então um jornalista profissional que aceitou de bom grado acionar
as autoridades em prol da justa causa. E, através de sua coluna domingueira —
“Recife, Como Ele É” (nome fantasia), iniciou a batalha. Publicou em sua coluna
dois artigos sobre a situação vexatória da rua sem iluminação pública, in
titulados de: A alegria apagada e Prefiro a penumbra da falta de luz à escuridão da ditadura.
Não sei se foi por coincidência ou não, logo após a
publicação dessas crônicas chegaram à nossa rua caminhões da prefeitura
acompanhados por viatura de funcionários da companhia inglesa, concessionária
da produção e distribuição de eletricidade para o Estado de Pernambuco (A
“Pernambuco Light & Power”).
E, em menos de 15 dias, estavam os postes de
iluminação fixados, os fios, os transformadores, os refletores, as lâmpadas e
demais apetrechos afetos ao ofício de iluminação elétrica de via pública.
Diga-se, tudo foi concluído no cronograma determinado pelo súdito de Sua
Majestade, responsável pelo Departamento de Iluminação Externa. E,
como fora combinado, no primeiro domingo após o carnaval, pontualmente às 18:30
horas, fez-se a luz na Rua da Alegria, com pontualidade britânica. Pleito
atendido. E mais: devido à demora na instalação, a rua ficou mais iluminada do
que as suas congêneres pelo uso de aparelhagem de luz mais moderna,
recém-chegada do Reino Unido. Alguns dos seus moradores externaram a opinião de
que a demora fora até salutar.
Todos estávamos então ansiosos para participar dos
festejos em comemoração ao grande evento. Algumas das casas tiveram suas
fachadas repintadas, cadeiras de calçada para as conversas de rua foram
devidamente polidas ou recondicionadas e as calçadas foram lavadas com água e
sabão, num mutirão constituído pelas donas de casa e respectivas domésticas na
manhã do importante domingo.
A partir das 18 horas daquele dia de descanso a
maioria dos moradores da rua da Alegria estava a postos, esperando o grande
acontecimento. Donas de casa, criançada, chefes de família, todos na rua e
envergando as nossas melhores roupas.
Logo depois da ligação da iluminação pública nós, os
habitantes da Rua, entoamos emocionados o Hino Nacional, ao término do qual o
2.º sargento reformado da Brigada Militar que morava na casa pegada a nossa
bradou um VIVA O BRASIL, com a sua melhor voz de timbre marcial, viva essa que
se fez acompanhar por coro coletivo dos agora iluminados — moradores da RUA DA
ALEGRIA.
Grande foi a confraternização. Não faltaram os
doces, licores de jenipapo e pitanga. Sem falar nos refrescos de frutas e bolos
regionais, além dos salgadinhos confeccionados na confeitaria Helvética,
afamado estabelecimento de iguarias cito à Rua da Imperatriz cujo nome completo
é Rua da Imperatriz Thereza Cristina. Não sei porque até hoje não é
conhecida por seu nome completo. Será por causa republicana ou esquecimento
histórico da monarquia? Eu não sei! Isso será tarefa para os nossos
historiadores.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco.
Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE),
da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES) e da Academia Recifense de Letras. Consultante
Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).
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