segunda-feira, 25 de julho de 2022

EXISTE LIMITE PARA O HUMOR?

Por Daniel Leão (*)

Mais uma vez essa temática foi alvo de um debate social, após o humorista Leo Lins fazer uma "piada" cujo contexto suscitava o riso da condição física de uma criança cearense com hidrocefalia. Sob o aspecto jurídico-legal, em que pese o resguardo do direito de liberdade da expressão da atividade intelectual e artística, cujas previsões constitucionais se arvoram no Art. 5º, IX e no Art. 220 da Constituição Federal (CF), tal direito, como qualquer outro direito fundamental, não se mostra absoluto ou ilimitado.

Sob outro aspecto, cabe asseverar que a CF protege a Dignidade da Pessoa Humana como fundamento do Estado Democrático de Direito (Art. 1º, inc. III), além de garantir a inviolabilidade da intimidade, privacidade, honra e imagem das pessoas, cuja violação, caso existente, culmina no direito à indenização, conforme previsão do Art. 5º, X da Constituição Federal.

Nesse contexto jurídico-legal, ainda que se entenda por uma antinomia constitucional, ou seja, um conflito entre dois ou mais dispositivos constitucionais; de um lado o resguardo à liberdade de expressão do humorista; de outra banda, a dignidade da pessoa humana, a honra e a imagem das crianças cearenses com hidrocefalia, por certo, no caso em epígrafe, não há como a liberdade de expressão se harmonizar ou se sobrepor com a dignidade das pessoas. Assim, a liberdade de expressão resta descaracterizada quando há ofensa, discriminação e desrespeito ao indivíduo.

Por óbvio, a "piada" realizada com crianças cearenses portadoras de hidrocefalia não atentou apenas contra a dignidade, a intimidade e a imagem de inúmeras crianças; por via reflexa, atingiu também seus familiares, cuidadores, profissionais da saúde, os quais sentem no imo de seus sentimentos, os desafios e dificuldades de enfrentar uma condição física, no mínimo, desafiadora, seja sob o aspecto clínico, físico, estético e fisiológico.

Pessoalmente, sinto na pele as agruras de compartilhar com minha filha o enfrentamento de uma enfermidade congênita, cujas sequelas a fez se submeter, com apenas 1 (um) ano de vida, a uma cirurgia para a inserção de uma válvula cerebral, com o escopo de conter e inibir sua hidrocefalia.

Posso afirmar com convicção, caros leitores, não há nada de engraçado nisso!

(*) Defensor público estadual e Supervisor do Núcleo do Idoso.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 14/07/22. Opinião, p.14.

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