Por
Pe. Vanderlúcio Souza (*)
No alpendre da casa, uma roda de camaradas discute sobre o que
acabaram de ouvir no telejornal, exibido em uma moderníssima Telefunken para a
época. A conversa era cheia de concordâncias e discordâncias, sem chegar a um
consenso, discutindo sobre a violência e economia do país. Porém, o assunto que
prevalecia era se teria ou não inverno naquele ano.
Um homem magro, de tez queimada pelo sol, cigarro pendurado à
boca, falava dos compadres que moravam pelas bandas do Alto Verde. Tinham
perdido a criação devido à seca. "A plantação havia queimado até o
pé", lamentou, meneando a cabeça e alterando a voz prosseguiu exaltando o
plano de emergência do governo, "isso é que ainda livra os pobres da morte",
disse.
"Mas tem pobre que hoje em dia não quer mais trabalhar, só
espera das autoridades o que comer", disse outro homem acocorado no
peitoril. Apontando o dedo em riste para a audiência, lamentou: "tenho dó
desse homem".
"Ainda bem que tem carnaúba por essas bandas para os
magricelos dos bezerros comer, porque ajuda dos 'coronéis' nunca chegou por
aqui", orgulhava-se o dono da casa que, na redondeza, era conhecido como
pobre-rico.
Enquanto a conversa se desenrolava, a dona da casa surgiu com um
bule de café fumegante e um pacote de bolachas doces, atraindo as crianças que,
ávidas, se aproximavam para pegar um punhado de guloseimas.
O tópico de discussão mudou para a construção de um cemitério
para crianças, iniciativa de um vereador local. Opiniões divergentes foram
expressas, destacando-se a crítica à localização próxima à estrada.
Com o fim da conversa, os presentes se dispersaram, cada um
retornando para suas casas na escuridão da noite.
O pequeno que antes escutava ao lado do pai, o dono da casa, a conversa
dos homens, encolhia-se ao fundo da rede escutando os respingos de chuva que há
muito não caíam no velho telhado. Em seu coração se afirmava a certeza de que o
dia de São José se aproximava e com ele a chuva e a esperança de que tudo
poderia ser diferente naquele lugar. Aconchegado na rede, o menino terminou
aquele dia balbuciando um "Valei-me, São José", com toda a sua
devoção.
(*) Jornalista e Sacerdote
recém-ordenado. Coordenador do Setor de Comunicação da Arquidiocese de
Fortaleza.
Fonte: O Povo, de 19/03/2024. Opinião. p.22.
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