Por Álvaro Madeira Neto (*)
Por muitos anos, a saúde pública no Brasil
e no mundo tem oscilado entre dois polos: a aceitação passiva das desigualdades
que permeiam os sistemas de saúde ou a intervenção ativa em busca de
transformação. Ao refletir sobre o legado de um grande pensador não consigo
deixar de traçar um paralelo entre a sua visão de educação e os desafios que
enfrentamos na gestão em saúde.
Paulo Freire falava que há uma diferença
essencial entre adaptação ao mundo e inserção no mundo. A primeira nos conforma
a aceitar as realidades tal como são. A segunda exige de nós uma consciência
crítica, que se recusa a aceitar passivamente as condições existentes e nos
impele à ação transformadora. No Brasil, o conceito de inserção crítica no
mundo ganha ainda mais força quando pensamos no SUS.
Criado com o objetivo de universalizar o
acesso à saúde, o SUS é uma expressão concreta da luta por equidade. Representa
a inserção ativa na realidade social, o reconhecimento de que a saúde não pode
ser um privilégio de poucos. Ainda assim, enfrenta ameaças constantes, seja
pela mercantilização da saúde, que tenta transformar serviços públicos em
fontes de lucro privado, seja pelo desfinanciamento e pelo sucateamento
estrutural.
Aceitar as ameaças de braços cruzados seria
concordar com a perpetuação da desigualdade. A inserção crítica implica não só
em defender o SUS, mas em lutar por sua melhoria contínua. A gestão em saúde
não pode ser neutra. E, nesse contexto, os gestores de saúde têm um papel
central. Não podemos aceitar que a saúde seja tratada como uma mercadoria. Na
minha trajetória como médico sanitarista e gestor, aprendi que sistemas de
saúde não se transformam sozinhos. Eles são moldados pelas decisões que tomamos
ou deixamos de tomar.
Aqui se faz o paralelo mais forte com a
visão freireana: não podemos aceitar a realidade como ela é, sem perceber que
cada ação nossa, cada decisão é uma oportunidade de intervenção. A gestão em
saúde deve ser um ato de resistência e transformação, uma luta constante para
garantir que o direito à saúde seja um direito de todos. Esse é o legado que
escolho honrar.
(*) Médico sanitarista e gestor em saúde.
Sócio da Sobrames/CE
Fonte:
Publicado In: O Povo, de 16/05/2025.
Opinião. p.16.
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