Por Michell Ângelo Marques Araújo (*)
Constitui um desafio para profissionais de enfermagem
atender o ser humano nas suas diversas necessidades, contemplando as dimensões
humanas. Em outras palavras, é necessário tomar o cuidado de Enfermagem em sua
dimensão ampliada, qualificando a escuta sobre os padecimentos do paciente com
o intuito de ir além do diagnóstico de sinais e sintomas, auscultando as
subjetividades produzidas na condição do adoecimento.
Devido à formação naturalista dos profissionais de saúde,
quase sempre se dá maior ênfase à dimensão físico-biológica, relegando-se a
segundo plano – e até mesmo negando – as demais dimensões, particularmente a
espiritual. Tal conduta configura um paradoxo, considerando-se a tão propagada
abordagem holística na saúde, a qual percebe o ser humano não somente como a
soma das partes, mas como a inter-relação e a influência de cada uma sobre as
demais, ou seja, como um todo.
As instituições de ensino ainda persistem em um modelo
centrado no biológico, privilegiando a doença e não o homem como a finalidade
de sua ação, apesar de o discurso ser diferente. Esse fato, alvo de muitas
críticas, tem sido exposto como inadequado, principalmente ao se propor uma
humanização do cuidado em
saúde. Isso mostra o distanciamento das práticas de saúde com
aquilo que é realmente a integralidade do cuidado, o respeito e a dignidade da
pessoa humana.
Faz-se mister compreender este homem, suas necessidades e
seus desejos, de forma que contemple toda a sua complexidade dimensional.
Compreender as dimensões humanas constitui o primeiro passo para um cuidar
integral, tendo em vista que há uma multidimensionalidade ontológica e uma
unidade antropológica que precisam ser contempladas.
Dentre todas as dimensões humanas, a espiritual tem
destaque para a área da saúde: primeiro, porque é ela que diferencia o homem
dos demais seres, pois integra a capacidade de ser livre, de ser responsável e
de buscar, constantemente, um sentido para a vida; segundo, por ser uma dimensão
pouco valorizada, devido à ênfase dada às dimensões psicofísicas e ao
distanciamento histórico da ciência tradicional, que desvaloriza tudo aquilo
que não poderia ser comprovado por seus métodos experimentais, quantificáveis e
replicáveis. Nesse ínterim, somente a filosofia e a religião são responsáveis
por explicar e estudar os fenômenos que fogem dos objetos estabelecidos da
ciência tradicional.
Os enfermeiros vivenciam constantemente momentos de
crise, tanto seus quanto das pessoas submetidas aos seus cuidados,
envolvendo-se num emaranhado de sentimentos e pensamentos, nos quais elementos
subjetivos emergem. Em meio a tudo isso, precisam atender às demandas desses
pacientes de forma que consigam alcançar os objetivos de seu cuidado..
Nos serviços de saúde, esses profissionais deparam-se
rotineiramente com problemas tão complexos que não conseguem visualizar outro
caminho a não ser se fechar e criar uma couraça de insensibilidade, reforçada,
inclusive, na formação exigida pelos mestres. Para quebrar esse paradigma, é
imperativo o desenvolvimento de forma integral das dimensões, racional,
sensitiva, afetiva e intuitiva. Do contrário, o sofrimento dos pacientes,
intensos e constantes, tornar-se-ão insuportáveis para os cuidadores.
É a partir da espiritualidade que conseguirão superar
essa tendência de afastamento. Nessa perspectiva, a espiritualidade mostra-nos
o poder do homem de, pela transcendência, criar, transformar e decidir mesmo em
situações extremas de comprometimento. Vislumbra-se a possibilidade de, mesmo
no sofrimento, emergir criatividade, crescimento e superação.
(*) Michell Ângelo Marques Araújo é professor doutor em Enfermagem na Faculdade Católica
Rainha do Sertão
Publicado In: O
Povo, de 8/09/13. Cad. Espiritualidade.
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