Em 2003, algum tempo após as celebrações do
Jubileu de Prata da Turma José Carlos Ribeiro , acontecidas em dezembro de 2002, dei
uma carona ao patrono de nossa turma, o Prof. Geraldo Gonçalves, da Reitoria da
UFC até sua residência, quando travamos o diálogo seguinte:
– Você precisa rezar para que eu viva mais
cinco anos – rogou-me o querido professor.
– O senhor está nas minhas intenções, dentre
aqueles amigos a quem peço ao Pai para que vivam muitos anos entre nós – eu retruquei – mas
por que cinco anos?
– É porque eu gostaria de vê-lo ingressar em nossa Academia de
Medicina.
– Não entendo porque esperar mais cinco
anos, se já integralizei os vinte e cinco anos de formatura exigidos para
admissão na Academia Cearense de Medicina.
– É porque mudamos, recentemente, o nosso
estatuto, passando de vinte e cinco para trinta anos o tempo mínimo de formado
em Medicina, como requisito para ingresso na ACM.
– Qual foi a razão para essa mudança, Prof.
Geraldo?
– Bem! Nós achamos que, atualmente, com
vinte e cinco anos de graduado, os médicos encontram-se, em geral, no pico da
atividade profissional, muito ocupados em ganhar o pão, para sustentar à
família ainda em formação, e, por isso, não dispõem de tempo para a Academia.
– É uma pena para mim, porque, há anos,
cultivava a possibilidade de ingressar na ACM, tão logo quanto possível. Mas
não será por esse motivo que rogarei a Deus que lhe dê mais cinco de anos de
existência terrena.
– Você sabe qual é a minha idade, Marcelo?
– Sei que o senhor ingressou nos oitenta, há
dois anos – respondi-lhe prontamente.
– Na verdade, eu prefiro dizer que tenho
quarenta e um anos enfestados. Você sabe o que são anos enfestados? – indagou-me ele, ao perceber que não teria entendido o
significado daquela expressão.
Com efeito, como sanitarista, imaginei que
talvez o meu interlocutor tivesse querido usar uma parônima, fazendo lembrar, com essa expressão , a
derivada da acepção Infestação, que, na terminologia própria da Epidemiologia, pode
ser entendida como o alojamento, desenvolvimento e reprodução de artrópodes na
superfície do corpo ou nas roupas de pessoas ou animais. Procurando intuir
alguma associação com o processo infeccioso, na chamada relação agente-hospedeiro,
não encontrei a devida guarida, e daí, pronunciei, laconicamente:
– Não!
– Como não?
– Confesso que não afinei para o que sejam
anos enfestados, da forma como o senhor colocou.
– Mas você sabe o que é um tecido enfestado,
Marcelo? – perguntou-me, como se desejasse
me explicar, aos poucos.
Na hora matei a charada, ao recordar do
tempo em que era comum encomendar a feitura de roupas às costureiras de bairro,
quando os armazéns e lojas de tecidos ofereciam peças de tecido cuja medição
era duplicada, porquanto vinham dobradas ao meio. Prontamente, lhe disse:
– Sei, sim! A medida do tecido era em dobro.
– Pois é, Marcelo. Cada ano vale dois.
Dizendo desse modo, pareço mais novo, não é?
Pensei, comigo mesmo, que, usando desse
recurso, a diferença entre a minha idade e a dele, beirava os dezesseis anos
enfestados, muito pequena, por sinal, em termos paradoxais, considerando à
jovialidade de espírito do professor Geraldo Gonçalves.
Fonte:
SILVA, M.G.C. da. Anos (in)enfestados. In: SOBRAMES
– CEARÁ. À flor da pele. Fortaleza: Sobrames-CE/Expressão, 2017. 384p.
p.231-2.
* Publicado,
originalmente, In: SILVA, M.G.C. da. Contando Causos: de
médicos e de mestres. Fortaleza: Expressão, 2011.112p. p.24-5.
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