terça-feira, 21 de novembro de 2017

PAI DOS BURROS

Pedro Henrique Saraiva Leão (*)

É assim como alguns o chamam. Jocosamente. O respeitado escritor paulista Mário da Silva Brito, contudo, afirmava – com arrojo (atrevimento) ou certa imodéstia - ser o léxico (dicionário) “o pai dos inteligentes: os burros dispensam-no”. A seu respeito, Graciliano Ramos, alagoano de Quebrângulo (1892), um dos sóis da literatura brasileira no Nordeste (“São Bernardo”, “Angústia”, “Vidas Secas”) reconheceu: “não poderíamos trabalhar sem eles, como ( ) sem couro ou tijolos se fossemos sapateiros ou pedreiros”.

Penso assim também. Há muito estão meus dedos calejados de tanto abrir e folhear dicionários. Sempre cortejei-os, e – geralmente – fui recompensado. Aqui se impõe o advérbio, pois a palavra procurada, às vezes, ali não está.
Mesmo assim, nesses casos (raros) deparamos (encontramos) seus sinônimos ou correlatos. Ressalte-se, por igual, a prestimosidade destes livros, eis que respondendo nossas perguntas definem outros termos, acima e embaixo, nos dirimindo (anulando) outras dúvidas vernaculares, i.e., relativas à língua. Este é mais um dos seus encantos, estimulando maior conhecimento dos consulentes (quem consulta). O português originou-se do latim, e – consoante historiadores fidedignos os romanos ocuparam demoradamente a Inglaterra (do ano 55 antes de Cristo ao 6º século) ali inseminando esse idioma. Sua importância para os utentes (usuários) do português foi explicitada por um certo senhor Brander Mttheus, ao asseverar (assegurar, declarar): “não é preciso saber latim, mas devemos, pelos menos tê-lo esquecido”.
Com menos vocábulos contribuíram os gregos, sendo dos helênicos (da Hélade, ou Grécia Antiga) a formação da palavra “epicaricácia”, termo estrambótico (estapafúrdio ou bizarro, excêntrico) pouco conhecido. Vinda até nós pelos ingleses, “epicaricácia” não se encontra no Aurélio ou no Houaiss, mas na internet (Wikipedia). Deriva de “epi” = sobre + “chara” = alegria + “kakon” = mal, traduzindo-se por “alegria pela infelicidade de outrem”. Talvez seja mais conhecida em Alemão: “Schadenfreude” (“Schaden” = prejuízo; “Freude” = alegria) (In “Dictionary of Early English”. Joseph T. Shipley, Editor: Littlefield, Adams & Co. Paterson, New Jersey, EUA, 1963). Segundo o escritor norte-americano Gore Vidal, o fracasso dos amigos seria uma forma de felicidade. Já fui vítima dessa desfeita, perpetrada (cometida) por um colega, ex-estagiário, alegado “amigo–irmão”. “Hélas”!
Alguns leitores acusam-me de usar “palavras difíceis”, embora logo a seguir as defina. Faço-o, entretanto, para enriquecer-lhes o patrimônio vocabular, atualmente minguado pela falta de leitura, pela TV e pela internet. Recomendo ler/reler meu artigo “Vox barbara”, no O POVO, 14/10/2009. O primeiro léxico de Português foi a “Dictionarium Lusitanico in Latinum Sermonen”, por Jerónimo Cardoso, publicado em 1569.
Concluindo, tirante os dois acima mencionados, exemplifico com os clássicos Morais Silva (12 volumes), 1954; Laudelino Freire (5 volumes), 1940; Cândido de Figueiredo (2 volumes), 1945, além daqueles de Francisco Fernandes (Verbos e Regimes; Sinônimos e Antônimos; Regimes de Substantivos e Adjetivos). Lembro ainda os dicionários Latino – Português e Português – Latino, de Francisco Torrinha (Porto, 1942), além de inúmeros outros que tais, venerandos habitantes da minha biblioteca. 
(*) Professor Emérito da UFC. Titular das Academias Cearense de Letras, de Medicina e de Médicos Escritores.
Fonte: O Povo, 13/09/2017. Opinião, p.14.

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