Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Será que
sua chance de morrer aumenta nos três primeiros meses de sua viuvez?
Dar
entrevistas ou escrever para a mídia são ações muito perigosas para
especialistas dos mais diversos ramos da ciência. Há certos obstáculos que
dificilmente se pode evitar, sendo comum a virilização de ideias truncadas ou
deturpadas. Entre tais ideias, divulga-se que os recém-viúvos morrem logo após
o falecimento do cônjuge.
Penso que
essa ideia tomou vulto quando uma respeitável revista publicou artigo sobre o
aumento da mortalidade do cônjuge sobrevivente. Acredito que a base de tudo foi
um artigo científico publicado no Jornal de Epidemiologia da América do Norte (Am. J. Epidemiol. (2012) -176(9):777-784), que
sumarizo abaixo.
Após
análise estatística de fichas médicas de 171.720 casais da Grã-Bretanha maiores
dos 60 anos de idade, ficou constatado o aumento da mortalidade entre viúvos ou
viúvas, sem qualquer relação com a situação econômica ou o estado de saúde dos
viúvos.
A manchete
desse artigo gritava:
“FICAR VIÚVA OU VIÚVO É MUITO PERIGOSO”.
Como seria
de se esperar, tal alerta produziu por várias semanas inúmeros artigos,
opiniões, entrevistas, mesas redondas, painéis sobre casamento, solidão,
companheirismo, saudades...
Matéria
datada do ano de 2013, de autoria de J. Robin Mood et al., pesquisadores
pertencentes à famosa Universidade de Harvard, expõe: “A viuvez conduz a um aumento de risco de mortalidade
prematura, independente da idade ou do gênero. Tal acréscimo tem sido descrito
no primeiro ano após a perda do companheiro ou companheira, sendo de 41% a estimativa
de aumento na mortalidade nos primeiros seis meses”. É o que os tais cientistas denominam de "efeito
viuvez”.
Calma
leitor! Caso tenha perdido, há pouco tempo, sua esposa ou seu marido, não vá se
impressionar ou se alarmar. Esclareço.
A mortalidade
dependerá da sua saúde antes e depois do óbito do cônjuge. Excetuando o
imprevisível: um acidente, terrorismo ou quem sabe um susto, resfriado, ou uma
queda, lembre-se: a pesquisa abarca apenas pessoas classificadas pela
Organização Mundial da Saúde como idosos jovens (60 a 70 primaveras).
O possível
aumento da mortalidade específica dos viúvos seria necessariamente pequeno,
porque a mortalidade geral é baixa nos recém-viúvos saudáveis, não portadores
de doença grave.
Até agora
(pelo que sei, li ou pesquisei), inexiste estudo cientifico que prove ser a mortalidade
logo após a viuvez acontecimento registrável e - se verdade for - explicável.
Apesar do aumento da expectativa de vida no século XXI, dos avanços da Medicina
e dos Cálculos Atuariais (que permitem analisar as consequências dos riscos, principalmente no tocante a seguros e fundos de pensão), um
sexagenário viúvo permanece sendo um sexagenário, isto é, aquela pessoa ou
coisa que completa o interregno de sessenta anos de existência ou de utilidade,
segundo o Dicionário Informal da Língua Portuguesa¹
Portanto,
caso você, sexagenário, perca seu cônjuge, evite acreditar em boatos e fique
calmo. Se ficar pensando que vai morrer logo, isso pode até acontecer, por
estresse ou acidente.
(*) Professor Titular da Pediatria
da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União
Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos
(ABRAMES). Consultante
Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Foi um dos primeiros
neonatologistas brasileiros.
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