terça-feira, 29 de setembro de 2020

IMUNIDADE DE REBANHO E MÉDIA MÓVEL DA COVID-19 EM FORTALEZA-CEARÁ: motivo das incongruências entre afirmações da mídia e do governo

Por Profa. Dra. Thereza Maria Magalhães Moreira (*)

Imunidade de rebanho é forma indireta de proteção individual, que acontece quando porcentagem significativa da população já teve ou foi vacinada para uma doença, nos dois casos produzindo imunidade específica. Neste caso, haveria menos susceptíveis (não doentes e não vacinados) do que recuperados e imunizados. A competição entre vírus vacinal e sua forma selvagem e a presença de menos susceptíveis favorece a diminuição da transmissão pessoa-pessoa (R), protegendo aqueles que ainda não adoeceram ou foram vacinados, que nesse ponto terão menor probabilidade de se infectar.

Este ponto ocorre quando a doença mostra estado contínuo de endemia, no qual o número de infectados sofre alteração linear, ou seja, não mais aumenta ou diminui exponencialmente. Para calcular os susceptíveis (S), tem-se que R*S = 1. Assim, quanto menor o número de susceptíveis (S) ou quanto mais pessoas imunes, menor a transmissão da doença e menos ela se espalha. Mas qual o R que representaria imunidade de rebanho no caso da Covid-19? Essa proporção depende do quão infecciosa é a doença, sendo de 95% para o sarampo e 35% para a gripe. Ora, o SARS-Cov-2, vírus causador da Covid-19 é um vírus respiratório, como o da gripe. Qual seria seu percentual para gerar imunidade de rebanho? A atual estimativa de R para a Covid-19 em Fortaleza é 0,79, o que levaria ao nível de imunidade de rebanho correspondente a 26,7% de todos os susceptíveis. Ainda não temos vacina. A população de Fortaleza em 2020 é de 2.686.612 pessoas. Assumindo a premissa de todos são susceptíveis, teríamos a necessidade de 717.325 casos de Covid-19 em Fortaleza para induzir imunidade de rebanho.

Até agora têm-se 224.847 casos de Covid-19 no Ceará. Assumindo a premissa de que metade desses casos do Estado é em Fortaleza, seriam 112.434 casos da doença na cidade. Assumindo, ainda, subnotificação de 50% (pessoas que adoeceram e não procuraram o sistema de saúde nem foram identificadas como casos da doença pela vigilância epidemiológica), haveria total de casos em Fortaleza de 224.847 doentes/ recuperados. Assim, atualmente ocorreu apenas um terço dos casos necessários para se alcançar a imunidade de rebanho em Fortaleza. E ainda há que se considerar a aparente transitoriedade da imunidade produzida com o adoecimento pela Covid-19, o que aumentaria a necessidade de doentes, pois a imunidade de rebanho dura enquanto perdurar a titulação de anticorpos nos recuperados/vacinados, neste último caso ainda inexistentes.

Deseja-se, além dos casos atuais, mais 500 mil casos de Covid-19 em Fortaleza ou é mais prudente adotar medidas protetivas? Considerando a escolha da segunda opção, use máscara, proteja os olhos e mantenha o distanciamento social. A Covid-19 não acabou só porque você cansou de ficar em casa! Bom, então inexiste condição de imunidade de rebanho na Covid-19 em Fortaleza, sendo relevante acompanhar a média móvel da doença para verificar seu estágio atual em nossa capital.

A média móvel é a média aritmética simples em um período x, feita para suavizar oscilações e facilitar visualizar a tendência da curva de casos/óbitos. Ela é chamada de média móvel porque não é fixa, ou seja, todo dia o cálculo é refeito, somando-se o valor dos casos/óbitos daquele dia com o dos 6 dias anteriores, tudo isso somado e depois dividido por 7, no caso da média móvel de 7 dias, que é a mais usada pela imprensa no caso da Covid-19. Dessa forma, diminuem-se as distorções causadas pelos plantões de fim de semana e feriados, quando há menos registros, e os picos de registros no início da semana, quando o registro de casos/óbitos é retomado.

Como Fortaleza teve pico cedo (maio/2020), atualmente, os casos na cidade estão baixos, mas, como em todo o mundo, são flutuantes, com microondas da doença, então o percentual já não é mais a melhor medida para o nosso caso, porque a proporção entre número absoluto e percentual já é grande, dando uma falsa ideia de que estamos vivenciando uma situação ruim aqui no Estado, o que não é verdade. Ademais, Fortaleza está melhor que o Ceará, por ter sido o primeiro município do Estado a ter iniciado sua curva epidemiológica, o que a deixa com maior decaimento (descida) da curva que o resto do Estado, mas o Ceará também já está quase finalizando o decaimento (descida) da curva. Assim, a melhor forma de cálculo para Fortaleza e o Ceará, bem como para todos aqueles municípios/Estados com poucos casos diários da doença, seria usar números absolutos no cálculo da média móvel junto de seu desvio padrão, ou outra medida mais adequada, para que a matemática realmente possa representar a realidade da Covid-19 nos estados mais evoluídos em sua curva epidemiológica.

(*) Professora do Curso de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em da Universidade Estadual do Ceará-UECE. Pesquisadora do CNPq. Membro do Grupo de Trabalho-GT para enfrentamento à pandemia do coronavírus da UECE

*Publicado In: Jornal do médico digital, 1(5): 66-69, setembro de 2020. (Revista Médica Independente do Ceará).

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