sexta-feira, 20 de novembro de 2020

LUIZ CARLOS DA SILVA: o incomum advogado libertário


Muito pouco ama, quem com palavras pode expressar quanto muito ama. (Dante Alighieri)

O legado de Luiz Carlos da Silva, ao longo de oito décadas de existência, não pode ser medido por palavras, números ou mesmo benquerença. Para nós, seus filhos, a esposa, amigos, ex-colegas da turma de 1947 da Faculdade de Direito do Ceará, o mestre não pode ser esquecido enquanto suas obras persistirem. E suas obras são imateriais. O livro “Dos canaviais aos tribunais: a vida de Luiz Carlos da Silva” publicado por ocasião de seus 90 anos, se vivo estivesse, registrou a grande admiração de familiares, amigos e antigos clientes por ele. Através de suas páginas, é possível acompanhá-lo, ainda menino, vencendo a légua que o separava do Sítio Pau Branco até a escolinha primária, mais adiante, como aluno dedicado do Colégio Cearense, nos bancos da Escola de Comércio Padre Champagnat e no respeitável Curso de Direito, da então Faculdade de Direito do Ceará, que fez dele o advogado vocacionado que era.

Da infância entre os canaviais de sua terra natal, Acarape, até os tribunais, como promotor, por alguns anos, mas principalmente como advogado que sempre escolhia o lado dos mais oprimidos, Luiz Carlos da Silva percorreu uma longa estrada. Também como professor, de sua própria escola, o Instituto Padre Anchieta, e depois no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), ele ajudou a formar gerações. Homem culto, apesar da aparente simplicidade, não se negava a “dois dedos de prosa” com os vendedores do Mercado São Sebastião, onde gostava de comprar mantimentos para o lar de onze filhos e a esposa Elda, mas sabia, ao mesmo tempo, nivelar-se em erudição com os doutores da lei. Ele também ensinava pelo exemplo de retidão. Jamais compactuou com a injustiça e qual Quixote a enfrentar moinhos de vento, enveredou pela política na esperança de ajudar a melhorar o País. Não logrou êxito nas urnas, mas nem assim ele se abateu. Era um otimista incorrigível.

Nascido em um lar cristão, tendo por progenitores pessoas simples, de módicas posses, Luiz Carlos da Silva teve a felicidade de ver, nos seus pais, José Carlos da Silva e Valdevina Carlos da Silva, o descortino de centrar esforços na educação da prole, quando esses tomaram a bem pensada decisão de enviar seus filhos para continuarem os estudos em Fortaleza. Todos os seus irmãos se tornaram professores, legaram o saber a outras gerações. Confirmaram a sábia atitude paterna em valorizar a educação formal da família constituída

Luiz Carlos da Silva deu a seus pais duas enormes alegrias: em 1940, quando se formou perito-contador; e, em 1947, ao receber o diploma de bacharel em Direito, pela tradicional Faculdade de Direito do Ceará, integrando a Turma Sobral Pinto. Dos remanescentes da turma de bacharelandos de 1947, ao ensejo da celebração do jubileu de ouro de formatura, era ele ainda um dos poucos que permaneciam atuando na advocacia, acumulando cinquenta anos de exercício profissional.

As palavras escritas, em especial, ou verbalizadas sempre fizeram parte do encantamento de Luiz Carlos da Silva, quer estivesse no exercício do magistério, ou mesmo na área advocatícia, em mais de 50 anos de atividade profissional. Cultivava a retórica com primorosa erudição, tanto nos tribunais como nas lides jurídicas, produzindo falas e peças oratórias de inegável valor.

Em sua juventude, enveredou por vários gêneros literários, mostrando uma certa afinidade e desenvoltura em expressar seus sentimentos, através da poesia, do conto e da crônica, concretizando uma produção literária que se notabilizou pelo seu estilo, essência e qualidade, sobretudo junto aos leitores das décadas de 1930 e 1940, por ocasião de suas publicações.

Foi professor do ensino primário e médio por longos anos; porém, recusou o acesso à carreira do magistério superior, ao rechaçar o convite para compor o corpo docente, quando da instalação da Universidade Federal do Ceará, porquanto ele privilegiava a sua atuação como causídico, uma deliberação da qual não se arrependia.

Vários dos seus colegas dos bancos da vetusta Salamanca cearense foram bem-sucedidos materialmente, recolhendo um expressivo patrimônio, oriundo de recursos próprios e/ou encorpados por heranças familiares. Não foi precisamente a sua situação, pois seus genitores não transmitiram bens ou haveres, merecedores de um inventário formal de partilha, posto que as suas atenções se direcionavam a que o produto do trabalho fosse aplicado, quase que exclusivamente, na educação dos filhos.

Luiz Carlos da Silva exerceu a advocacia com afinco e honradez, operando, maiormente, no campo do Direito do Trabalho, com uma clara opção por assumir a defesa do trabalhador, a parte dita mais vulnerável da relação trabalhista, o que lhe conferia, continuadamente, um contingente de centenas de questões trabalhistas ativas, embora fossem elas, em sua maioria, causas de pouco valor pecuniário. Não juntou tesouros cá na terra. Da sua labuta, começada na meninice, com a dura faina de subjugar a terra inclemente, nos roçados e nos canaviais, e sequenciada pelos exercícios de lecionar e de advogar, somou um patrimônio material bem modesto.

Trabalhou, diuturnamente, de forma incansável e sem férias, por mais de cinco décadas, com o fito de garantir o sustento e educar uma prole de onze filhos vingados. Com efeito, ele não legou aos seus descendentes bens materiais de monta; mas, disso não tinha qualquer remorso ou complexo de culpa, dado que propiciou a eles um patrimônio imaterial, intangível, refletido na educação, que os deixou aptos a vencer na vida, com os próprios recursos intelectuais e, de forma livre, sem dependência de apadrinhamentos de qualquer natureza.

Em 28/01/2016, quando completaria o nonagésimo oitavo aniversário, se vivo fosse, Luiz Carlos da Silva estaria sobejamente orgulhoso por verificar que aos seus quatro filhos formados em Ciências Jurídicas (Sérgio, Luciano, Magna e José) se aglutinaram os seus netos operadores do Direito (Leonardo, Germana, Paolo, Marcela, André, Natália e Serginho), coroando assim uma profícua existência.

Perpassado o centenário do jurista e professor Luiz Carlos da Silva, nascido na “Terra da Liberdade” (merecidamente Redenção/CE), sirvo-me do momento para tecer poucas e até para alguns uma épica história de vida, dedicação e zelosa contribuição para a sociedade cearense.

Não tinha a estatura rasputiniana nem os embates ao longo do tempo que enfrentou não foram quixotescos, mas palmilhado por lutas constantes, porém sem louros ou galardões, por voltada aos simplesmente comuns cidadãos, que nele buscaram como um porto seguro a ampará-los. O bastião dos fracos, dos desvalidos e desfavorecidos dos mais comezinhos direitos de cidadanias.

O doutor Luiz poderia merecidamente ter recebido a alcunha de ‘Sobral Pinto’ alencarino, pois grande foi a semelhança entre ele e o justo paladino do Direito pátrio. Tiveram a mesma estatura tanto em saber jurídico, honestidade incomensurável, paciência e fé cristã.

Suspeição por parentesco in primo grado não está em conta. Em verdade, primeiro vem o reconhecimento de fatos convividos no dia a dia e por anos imemoriais – em casa, nas lides e nos meios sociais, e porque não dizer também, políticos.

Com frequência o Dr. Luiz valia-se de Dante Alighieri para lembrar: Não se ganha fama numa cama de penas, para imediatamente dizer de San Tommaso dAquino, que a humildade é o primeiro degrau da sabedoria, e cuidando sempre que a honra é o prêmio da virtude.

Vida de trabalho duro e incansável, temperou por décadas a advocacia com o magistério. Pelejou pelos fóruns cearenses como ninguém. Mostrou conhecimento e pronta atenção como ninguém. Enfrentou os arrogantes com a razão e o tirocínio, despachou os que se embeveciam do poder efêmero de autoridade ou econômico, deles jamais guardou a mágoa ou o rancor, nem buscou por isso reconhecimento algum.

Não há curriculum para quem sempre quis e agiu com simplicidade, pois sua vida foi como divisou Dante Alighieri: o tempo passa e o homem não percebe. Entrementes, para os que conheceram o doutor Luiz ou apenas o seu Silva, foi muito mais: marido exemplar, pai sempre presente, amigo cordial, advogado sábio e reto, mestre profícuo e interessado na transmissão do conhecimento, cristão devotado. Enfim, um homem completo e cheio de virtudes incontáveis.

Da profissão como advogado as lembranças: prazos e exposição profunda do direito defendido nunca foram relegados. Intransigência nas causas apresentadas ante a certeza de que a justiça não se media pelo dinheiro, cargo ou origem, nem tremia diante das adversidades, das fraquezas e dos despreparos de juízes e tribunais, nem das sinecuras articuladas as sombras ou segredadas pelos opróbios.

Desceu-lhe a veia política quando por várias tentativas empreendeu disputar mandatos eletivos sem dispender dinheiro ou submeter-se a conchavos. Razão que o tempo cuidou de mostrar que nem tanto as traições partidárias e palanqueiras foram bastante para subtrair a conquista de bravos apoiadores ou o reconhecimento de muitos conscientes eleitores, apesar do malgrado resultado das urnas.

A memória não fica nos escritos dos processos, nas aulas ministradas, na convivência com os familiares e dos amigos, mas pela transmissão do exemplo de vida pautada, honesta e humildade que deixou o doutor Luiz, aliás o seu Silva de todos que o conheceram.

Causae finita est!

Sérgio Gurgel Carlos da Silva

Advogado –OAB-CE Nº 2799

Nota do Blog: Biografia elaborada com participações de familiares e fundamentada nas obras que falam do advogado e professor Luiz Carlos da Silva. Foi lida, como discurso de agradecimento, na Sessão Solene da Assembleia Legislativa do Ceará alusiva ao centenário de nascimento de nosso genitor em 14 de agosto de 2018.

Nenhum comentário:

 

Free Blog Counter
Poker Blog