quarta-feira, 25 de novembro de 2020

E VEIO A PANDEMIA: entre erros e acertos

 Por Daniela Nogueira, Ombudsman de O Povo

A cobertura da campanha eleitoral passa a tomar conta mais fortemente dos espaços de jornais, portais e redes sociais dos veículos jornalísticos. Antes dedicado com vigor aos fatos relacionados à Covid-19, o noticiário se volta às eleições. A pandemia não acabou - por mais que muitos de nós tenhamos afrouxado as medidas de prevenção, seja por cansaço, seja por necessidade. Mas, nestes seis meses, há muitas lições e reflexões a serem extraídas no Jornalismo e no relacionamento com o público.

O teletrabalho, o "trabalho remoto", o home office, enfim, talvez esteja sendo a mudança mais desafiadora para os jornalistas. Trabalhar de casa já é uma atividade habitual para muitos - por escolha. Nos últimos seis meses, porém, virou corriqueiro para outros tantos - por imposição. Como sempre digo nas conversas de que participo nestes tempos: ninguém tinha uma Redação montada em casa, com equipamentos à disposição para ficarmos conectados por muitas horas ou um ambiente bacaninha para ser exibido despretensiosamente ao vivo.

Se a atividade jornalística já exige a (quase) instantaneidade das informações, nos tempos de quarentena essa cobrança foi ainda mais forte. E não permaneceu aí. Novos espaços surgiram para tirar dúvidas do público, principalmente pelos canais digitais. Vídeos e podcasts foram uma maneira mais didática e ágil que os veículos perceberam de compartilhar as informações. Em detrimento do crescimento das plataformas digitais, a quantidade de páginas dos jornais impressos diminuiu, seções foram suspensas e anúncios cortados, consequência da crise do impresso que se desenha há algum tempo.

A propósito, segundo pesquisa executada pela Provokers, encomendada pela organização Luminate, 65% dos leitores de veículos digitais no Brasil aumentaram o consumo de notícias. Desses, 83% dizem acessar as notícias uma vez por dia pelo menos.

Histórias

É certo que, ao longo de todo esse tempo, ouvimos muito do excesso de informações a que estávamos expostos. Quem pôde se afastou por um tempo, porque o assunto já tinha um apelo emocional por si. Lidar com a notícia de centenas de mortes por dia e ver as imagens chocantes de abertura de covas e caixões saindo das portas dos hospitais, além da repetição de uma série de cuidados preventivos, não era algo amistoso.

A imprensa esteve, por alguns meses, entre o limiar de fornecer as informações necessárias para o período delicado e ter a sensibilidade de não criar pânico, com alarmismos. Acertamos muitas vezes, erramos em outras tantas.

Acertamos quando divulgamos os números de casos e mortes (impactantes, mas necessários); quando interpretamos os dados divulgados, e não apenas publicamos sem contexto; quando nos preocupamos em focar no Ceará, mas alertar para o resto do País; quando expomos a situação dos hospitais e profissionais da saúde, que precisaram de uma atenção especial; quando contamos as histórias das pessoas. Jornalismo é isto - contar histórias.

Acertamos quando passamos a estudar mais as pesquisas e a interpretá-las, chamando a atenção para o jornalismo científico. A ciência, que tem estado no centro das discussões públicas, necessita do jornalismo para chegar de forma didática ao público. Temos mostrado que/como isso é possível.

O Jornalismo acerta, sobretudo, quando intensifica seu papel de combate à desinformação. A pandemia ratifica que, entre as principais dificuldades para combater as notícias fraudulentas, estão a velocidade com que elas se alastram, a disseminação dessas mentiras nas redes sociais e as formas de controle ainda frágeis. Quando o Jornalismo apura com precisão, checa e mostra o certo, não há como refutar.

Erramos, entretanto, quando demos espaço demais à politização do assunto, em detrimento do cuidado com a saúde pública; quando intensificamos o sensacionalismo desmedido em torno de um assunto já tão apelativo, seja por meio de títulos, seja pela repetição demasiada de fotos violentas; quando demoramos a desmentir os boatos que corriam pelas redes sociais (do chá que cura a Covid ao alho que previne), por exemplo.

O secretário estadual da Saúde, Dr. Cabeto, em entrevista publicada no O POVO (15/9/2020), comentou sobre erros e acertos: “O que poderíamos ter feito melhor? O mundo inteiro tem que reconhecer que desconhecia muita coisa da pandemia. (...) A forma de comunicação inicial. O mundo inteiro pautou uma coisa chamada: "não vá ao hospital, espere ter falta de ar". Acho que o mundo errou".

Lidar com erros e acertos exige de todos nós um esforço bem maior para aprender com todos eles, principalmente quando há vidas envolvidas. Para o Jornalismo, que lida com educação do público, é preciso nunca esquecer a força que tem no combate à desinformação no meio de uma pandemia.

Fonte: Publicado In: O Povo, Ombudsman, de 4/10/20. p.27.

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