A Dra. Francisca do Carmo (nome fictício),
preceptora da Residência Médica de um hospital infantil, conduzia a visita de
enfermaria para discussão de casos clínicos, com os residentes e internos do
hospital.
Diante de uma criança, com suspeita de ser
acometida de calazar, pairava a dúvida quanto à presença ou não de fígado
palpável ao exame físico.
Por primeiro, os internos examinaram o
abdome da criança, começando pelo acadêmico responsável direto pelo cuidado
daquele menino, a quem coube resumir a anamnese do caso:
– Eu já examinei minuciosamente esse garoto
e percebi que ele tem fígado palpável a dois dedos transversos abaixo do
rebordo costal direito (RCD), o que reforça o diagnóstico inicial de calazar.
Outros três estudantes, sob a supervisão
docente, repetiram o mesmo exame e externaram as suas opiniões:
– Eu detectei fígado palpável a dois
centímetros do RCD – disse um, confirmando o achado do primeiro colega.
– Não constatei nada palpável na região do hipocôndrio
direito – afirmou outro, discordando do resultado dos dois primeiros
examinadores.
– Não verifiquei nada que pudesse falar a
favor de hepatomegalia – anunciou o último deles, ratificando o achado do seu
colega antecedente.
A Dra. Francisca do Carmo pediu, então, a
Dra. Cláudia Abreu (nome fictício), médica-residente R1 daquela unidade e
responsável pelo leito, para que detalhasse os resultados do exame físico
contidos no prontuário do paciente.
Depois do esmiuçado relato, a Dra. Francisca
do Carmo perguntou, de chofre, à Dra. Cláudia:
– Na sua opinião, como é que é: essa criança
tem ou não fígado palpável?
– Na minha avaliação, eu acho que tem –
respondeu a Dra. Cláudia Abreu.
– Não vale “eu acho”: quero uma resposta
precisa, em definitivo – exigiu a médica preceptora.
– Eu estou convencida de que possui –
concluiu a R1.
Como a Dra. Francisca do Carmo pressentira
um certo vacilo ou a pouca convicção da R1, considerou oportuno requerer que as
duas outras médicas, a R2 e a R3, mais experientes, também examinassem o menino
e emitissem o diagnóstico clínico.
Ambas, após meticuloso exame, chegaram a uma
conclusão diferente da apontada pela R1: não havia fígado!
A palavra final competiu à médica
preceptora, que, depois de exame performático, dado o caráter didático da
visita de enfermaria, pontificou:
– Em definitivo, meus caros residentes e
internos, esse garoto não tem fígado!
Ditas essas palavras de modo tão imperativo,
ecoou na enfermaria o soluço da aflita mãe do garoto, que a tudo assistia, com
o natural desvelo materno:
– O meu filho vai morrer! Tadinho dele! Tão
novo – balbuciava enquanto as lágrimas vertiam de sua face.
– Quem foi que falou aqui que ele ia morrer,
mãe? – O seu filho vai ficar bom e a senhora vai levá-lo para casa brevemente –
explanou a Dra. Francisca do Carmo.
– Mas como é que ele vai ficar bom se a
senhora mesma disse que ele não tinha fígado.
Só a custa de muitas explicações a mãe foi
convencida de que tudo não passara de um mal-entendido.
Marcelo Gurgel
Carlos da Silva
Da Sobrames/CE
Extraído
de: SILVA, Marcelo
Gurgel Carlos da. Medicina, meu humor!
Contando causos médicos. Fortaleza: Edição do Autor, 2012. 120p. p.17-18.
* Republicado
In: Causos médicos: médica velha. Informativo
AMC (Associação Médica Cearense). Novembro de 2021 - Edição n.08, p.11 (em
pdf).
Nenhum comentário:
Postar um comentário