Por Tales de Sá
Cavalcante (*)
Você, leitor — independentemente de sua ideologia
política —, defenderia que uma prova escolar deva ter a "cara" de um
governo, qualquer que seja ele? Penso que um bolsonarista fanático responderia
com um sorrisinho supostamente maroto: "Sim, desde que esse governo seja
do mito". Aqueles que até hoje apoiaram o presidente Bolsonaro, mas
avaliam seriamente a possibilidade de debandarem para a candidatura do ex-juiz
Sergio Moro, diriam: "Não deve ter a cara do governo, mas é preciso tomar
cuidados com perguntas que abordam a 'ideologia de gênero'".
Agora, pessoas minimamente instruídas afirmariam que
os especialistas do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep) devem ter autonomia para produzir as provas do Enem,
como fazem desde a década de 1990, com bastante sucesso.
Pois, até onde se sabe, até hoje nenhum estudante
virou jacaré, não "nasceu barba" em qualquer aluna e tampouco algum
jovem começou a "falar fino" por fazer o exame. Bolsonaro disse esses
absurdos em relação a quem tomasse a vacina da Pfizer, mas ele tem mesmo temor
em relação ao Enem.
Quando o presidente disse que o exame estava
"começando a ficar com a cara do governo", o sinal é de que a prova
seria "conservadora", sem questões relacionados à sexualidade, que —
em sua visão distorcida — teriam poder de desencaminhar os estudantes dos
"bons costumes" (que, aliás, falta a Bolsonaro, em vista das piadas
concupiscentes que vive a fazer, inclusive com a própria mulher, mãe da filha
dele). O ministro da Educação nega que tenha havido interferência nas provas,
mas quem acredita em áulicos?
Se o presidente fosse menos obsessivo com a
orientação sexual alheia e mais preocupado com a educação, certamente o Enem
não chegaria na encruzilhada a que chegou, a ponto de deixar em risco a
continuidade da prova. O pedido de afastamento de mais de 30 profissionais do
Inep às vésperas do exame é o atestado definitivo da falência do Ministério da
Educação na era Bolsonaro.
No próximo domingo, quatro milhões de estudantes
farão a prova do Enem, menos da metade dos que concorreram em 2016, por
exemplo. Assim segue célere o único projeto de sucesso no governo Bolsonaro: a
política de terra arrasada.
(*) Reitor do FB UNI
e Dir. Superintendente da Org. Educ. Farias Brito. Membro da Academia Cearense
de Letras.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 18/11/21. Opinião, p.14.
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