Por Ana Miranda (*)
Muita gente há de se lembrar do Carlos Castello Branco, o maior
jornalista político da nossa história. Um dos sujeitos mais inteligentes deste
mundo, excelente pessoa, piauiense. Tive a sorte de ser sua amiga, apesar da
diferença de idade. Ele morava em Brasília, e numa das vezes em que foi ao Rio
me fez uma visita. Entrou no meu apartamento com as mãos para trás e aquele ar
de perspicácia, captando detalhe por detalhe. Logo estava em meu escritório, onde
se localizava a minha biblioteca.
Eu tinha tanto orgulho daquela biblioteca! Ocupava uma parede
inteira, com uns dois mil livros arrumados em ordem alfabética. Era uma
biblioteca reunida com sacrifício - um vestido que deixei de comprar, um batom,
uma peça de teatro perdida... Tardes e tardes vasculhando livrarias... Escolhas
difíceis... Aqueles livros tinham sido lidos por mim, marcados com anotações.
Eram amados como mestres. O Castello olhou tudo em volta, e perguntou: Onde
está a sua biblioteca?
Muita gente ri quando eu conto essa história. Claro que era o
comentário de um homem pelos oitenta anos que colecionara uns trinta mil
livros, acho que era essa a média de livros dos intelectuais amigos do
Castello. Mas a pergunta que ele fez é eterna. Todos devem se fazer a si
mesmos: Onde está a minha biblioteca? Eu tenho uma biblioteca? E uma biblioteca
interior? Quantos livros eu li, como eu os li, o que guardo dentro de mim? O
quanto ainda posso aprender com os livros?
Está na moda doar bibliotecas. Eu mesma andei doando mais de mil
livros para a associação dos pescadores, na Peroba. Muitos dizem que é melhor
ver os livros sendo lidos, do que feito múmias em uma catacumba. Sei que dá
trabalho guardar livros. Além da sabedoria, juntam poeira. É preciso limpar,
arejar de vez em quando as páginas, vigiar mofo, traças, cupins, formigas...
Mas eles são uma companhia valiosa!
E lindamente decorativos, dão uma sensação de aconchego a qualquer
ambiente. Tenho um livro, At home with books, sobre como certos amantes de
livros convivem com suas bibliotecas. Ambientes fantásticos, inesperados,
repletos de livros. Uma sala de jantar com as paredes cobertas de livros; um
sótão revestido de livros; um jardim de inverno com uma poltrona florida e uma
cesta de livros; uma cozinha com a presença saborosa de livros entre bules e
xícaras.
Nesse livro vemos bibliotecas de escritores, poetas, lordes,
arquitetos, comerciantes... Uma delas é a do Keith Richards, guitarrista dos
Rolling Stones. Ele diz que nada lhe dá mais satisfação do que deitar no sofá
da sua biblioteca agarrado com um livro. Ninguém entra ali. É seu refúgio, onde
ele se encontra consigo mesmo. Pela biblioteca, você pode saber muito sobre a
pessoa. A maioria dos livros de Keith Richards é de romances do século 19. Quem
poderia imaginar! E livros de espionagem, história e arte.
Uma antiga lareira repleta de livros. Uma escada sobre prateleiras
aproveitadas para guardar livros. Um corredor que é biblioteca. Uma pequena
estante com livros no banheiro... Todo lugar pode ser bom para livros. Uma casa
sem livros me dá a sensação de um deserto.
(*) Escritora. Colunista
de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 20/01/24. Vida & Arte, p.2.Bibl
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