Corria o final dos anos sessenta, período
conturbado da ditadura militar, quando chegou a Fortaleza, após a temporada
paulista de 1968-69, o Teatro Oficina, um grupo de teatro de vanguarda, para
apresentar a peça “Galileu Galilei”, de Berthold Brecht.
Por ser uma peça de autor marxista e
encenada por pessoas da esquerda, não havia acesso à grande imprensa e, muito
menos, não tinha qualquer patrocínio governamental. O público-alvo da peça era
o segmento universitário, e, para alcançá-lo, a trupe fazia uma divulgação,
corpo a corpo, nos “campi” universitários, passando nas salas de aula e
distribuindo panfletos do espetáculo.
Na visita à Faculdade de Medicina da Universidade
Federal do Ceará, situada no “campus” do Porangabussu, o grupo de artistas,
vestindo extravagantes indumentárias, entra sem pedir licença, ou melhor,
invade o anfiteatro do Departamento de Fisiologia e Farmacologia, quando ali
transcorria uma aula do inesquecível Prof. Fahad Otoch, um mestre deveras
empolgado com a prática do ensino.
Os estranhos artistas foram invadindo,
alguns ficaram à frente dos alunos, junto ao estrado do docente, e outros se
espalharam nas laterais do anfiteatro. Enquanto o Prof. Fahad se insurgia
contra aquela “arruaça”, esbravejando os seus protestos aos insolentes, movimentando
e cortando o ar com a sua famosa vara docente, como se fora um Moisés a ameaçar
o faraó egípcio, os artistas adventícios faziam de conta que isso não era com
eles.
Aliás, a bem da verdade, eles permaneciam
estagnados, calados, apenas fitando os acadêmicos presentes, até o instante em
que, num rompante e de forma uníssona, vociferaram:
– Galileu
Galilei!!!
Em seguida, da mesma maneira que chegaram,
sem pedir permissão, foram se retirando. Como o Prof. Otoch continuava a
protestar, um dos “visitantes”, digo, intrusos, retorna à sala. Era um
grandalhão, dos seus dois metros de altura, que vai direto ao professor, um
homem forte, mas de compleição física atarracada, toma-lhe a vara e a quebra na
coxa, entregando os dois pedaços ao professor. Depois, saiu... e, tal como
entrara, dessa vez, sem dar um pio.
Nos dias seguintes, entre os estudantes de
Medicina, o comentário era um só:
– Quebraram o pau do Fahad!
Marcelo Gurgel
Carlos da Silva
Da Sobrames/CE e da Academia Cearense de Médicos
Escritores
Fonte: SILVA, Marcelo Gurgel Carlos da. Medicina, meu humor! Contando causos médicos. 2.ed. Fortaleza:
Edição do Autor, 2022. 144p. p.46-47.
* Republicado In: AMC. Causo médico: afrontando com Galileu Galilei. Informativo AMC (Associação Médica Cearense). Março de 2023 - Edição n.19, p.13 (em pdf).
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