Por
Saraiva Junior (*)
Ao me aposentar, voltei
a residir na velha casa onde nasci, na cidade de Senador Pompeu. Há duas
escolas próximas à casa, em cuja calçada transitam muitos estudantes. Na
mudança, levei todos os meus livros. Instalei a biblioteca em algumas estantes
na sala de estar e no corredor. Logo percebi que aquela simples biblioteca
despertou a curiosidade dos passantes. Em conversa com vizinhos, estudantes e
professores, expliquei que os livros estavam à disposição para serem
emprestados.
Confesso que recebi
poucas visitas. A casa que havia sido dos meus avós costumava passar a maior
parte do tempo fechada. Os batentes na sua fachada tornaram-se ponto de
encontro dos alunos antes e depois das aulas. Mesmo após a minha chegada na
casa, tendo aberto porta e janelas, esses jovens não se intimidaram e seguiram
com a algazarra, o bate-boca e as palavras de insulto entre eles.
A situação era um
incômodo para minha companheira e eu, que costumávamos tirar um cochilo após o
almoço. Creio que os moradores idosos das casas vizinhas sofriam com o barulho,
pois também tinham o hábito da sesta. Vez por outra, eu me dirigia aos jovens e
pedia que baixassem o volume. Bastava eu dar as costas para a gritaria retornar
com mais força.
Certa feita, em pleno
sol do meio dia, cheguei em casa e encontrei a mesma galera na maior balbúrdia
na calçada. Por acaso, estava com o livro de contos do conterrâneo Moreira
Campos, "Dizem que os cães veem coisas", embaixo do braço. Aproximei-me
deles e mostrei o livro, anunciando que se tratava de um presente para ser
compartilhado por toda a turma. Mencionei a importância do autor e sugeri que
cada um lesse um conto para me relatar no dia seguinte, assim poderíamos
conversar bem mais.
Adivinhem qual foi a
minha surpresa? Eles abandonaram definitivamente a calçada. Minha companheira
observou que muitos começaram a passar pelo outro lado da rua. Claramente fui
sendo evitado por eles, antes tão efusivos. Na vizinhança, ouvi diversas vezes
comentários que associavam a loucura ao gosto pela leitura. Até quando, neste
país, ainda reinará o medo do livro?
(*) Escritor e
ex-conselheiro do Conselho de Leitores de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 2/03/24. Opinião. p.16.
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