Por Carlos Roberto Martins
Rodrigues Sobrinho (Doutor Cabeto) (*)
O momento é
muito importante, tempo de revermos nossos valores e as instituições que
construíram a história da medicina do Ceará. Permito-me assim transcrever um
texto que que publicamos por ocasião da comemoração do aniversário da Faculdade
de Medicina da Universidade Federal do Ceará.
Foi uma
vivência inesquecível. Guardo até hoje os exemplos, a forma de pensar e,
principalmente, as oportunidades de crescer como estudante e como gente.
Naquele momento, entramos em contato com o sofrimento humano, e aprendemos a respeitar as diferenças, as crenças, e a forma de
enfrentar o processo de adoecimento. Iniciamos nosso aprendizado sobre a morte,
ou melhor, o morrer.
Junto a essas
experiências vieram as decepções com os resultados negativos, assim, passamos
a lidar com a culpa dos nossos fracassos. Como exemplo, cito o caso de uma
paciente lúpica, muito jovem, que desenvolveu uma trombose arterial aguda e
teve as duas pernas amputadas. Culpei-me por muito tempo pelo destino da
paciente. Acalmou-me o espírito reencontrá-la na porta do Hospital, após 11
anos, quando retornei para Fortaleza.
Fiz duas residências de Clínica Médica, a primeira no nosso Walter Cantídio. O hospital era
quase igual ao atual, exceto pela ausência do Setor de Emergência e pelo prédio
da cirurgia. A cirurgia ficava onde hoje estão os ambulatórios. Cumprimos
estágios em todas as especialidades. Apaixonei-me por cada uma delas, em
especial, pela Reumatologia e pela Neurologia. Lembro-me que os recursos eram
poucos, mas as dificuldades eram suplantadas pela vontade e capacidade de
doação. A convivência com os professores Otoni Cardoso do Vale, Marta Medeiros,
Fatima Landim, Antônio Borges Campos, Plinio Câmara e Clara Bastos, mudou minha
forma de entender a arte médica. Tive a felicidade de tê-los como mestres e
amigos. Aprendi a cuidar!
Ao retornar de
São Paulo, onde permaneci por 11 anos, para concluir as residências de Clínica
Médica e Cardiologia, além do Doutorado em Cardiologia, ingressei como professor substituto na Faculdade de Medicina da nossa Universidade. Somente após quatro
anos, fui admitido como adjunto das disciplinas de Clínica Médica e
Cardiologia.
Quanto mais
longo fica o tempo, mais ricas ficam as memórias.
Memórias de
quando aprendi a observar, em cada detalhe, a forma simples e decidida dos
nossos mestres e exemplos que fizeram e fazem o nosso Hospital Walter Cantídio,
em especial o meu pai, pela sua irreverência ao lidar com a arte, ou mesmo o
tocar de afetividade. Percebia nele um olhar de ternura que trazia de suas
concepções de vida e de suas vivências quando ainda muito jovem, mas também de
suas dúvidas e angústias com o futuro. Transparecia-me algo intocável,
era sua obstinação pela humanidade. .
Como num
instante se passou...,e já se foram 34 anos de exercício de algo que a meu ver
não é trabalho, pois não se traduz em produto algum, nem em resultado. É sim,
um ato continuado de perda e busca da própria identidade,
tanto minha como daqueles com quem pactuo a cerimônia das visitas.
Vestem-se em
arte, em suor e extenso sofrimento.
São
essencialmente ações espontâneas quando versam de atitudes, de articulações
de palavras e ações.
(*) Médico. Professor da UFC.
Ex-Secretário Estadual de Saúde do Ceará.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 23/03/2024. Opinião. p.19.
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