sexta-feira, 26 de abril de 2013

OS JESUÍTAS: missionários e educadores



No dia 13 de março de 2013, católicos de todo o mundo se regozijaram com a escolha do novo papa, que trazia a tripla marca do inusitado: pela primeira vez, se teria um sumo pontífice vindo do outro lado do Atlântico, oriundo da América Latina, ainda detentor do maior rebanho de católicos, e mais precisamente da Argentina; em segundo lugar, agora, depois de setecentos anos da benfazeja passagem do “poverello de Asisi”, um papa, que assume a cátedra de Pedro, decide governar a Igreja de Cristo sob o nome de Francisco, como tributo a dois Francisco, o de Assis, que deu origem às ordens franciscanas, e o Xavier, o missionário jesuíta que levou o cristianismo às terras do extremo Oriente; e, por último, mas não menos importante, por se tratar o eleito do primeiro jesuíta a comandar o trono petrino, desde que essa ordem religiosa foi criada há quase cinco séculos.
Tal como os dois primeiros, o terceiro aspecto suscitou em muitas pessoas o desejo de melhor conhecer a ordem dos jesuítas. A Companhia de Jesus foi fundada por um nobre de origem basca, Santo Inácio de Loyola, que, em 15 de agosto de 1534, reuniu um grupo de seis estudantes na Capela dos Mártires, nas Colinas de Montmartre, em Paris, para constituição de uma sociedade visando “desenvolver trabalho de acompanhamento hospitalar e missionário em Jerusalém, ou para ir aonde o papa nos enviar, sem questionar”.
A nova ordem foi aprovada por Paulo III, em 27 de setembro de 1540, através da Bula Regimini militantis Ecclesiae, que integra a “Fórmula do Instituto”, em que está contida a legislação substancial da Ordem, cujos membros professam os votos de pobreza, de castidade e de obediência ao papa e aos superiores hierárquicos.
A Companhia de Jesus foi fundada durante a Contra-Reforma, sendo uma das respostas do catolicismo à Reforma Protestante, e logo experimenta grande expansão, em parte à conta da sua estrutura relativamente livre, o que lhes possibilitava maior flexibilidade de ação. Ao tempo em que se consolidam suas posições nos países católicos da Europa, ganhando notável poder político, missionários jesuítas, acompanhando a marcha do colonialismo europeu, espalham-se em diferentes pontos da Ásia (Japão, China, Tibete etc.), da África (Congo, Marrocos Etiópia etc.) e da América Latina (Brasil, Paraguai, Uruguai etc.).
Com o avanço do anticlericalismo, no correr do século XVIII, diferentes forças políticas concentraram seus ataques, direcionando-os aos jesuítas, como forma de atingir, indiretamente, à Igreja, produzindo perseguições implacáveis, incluindo prisões e execuções, sendo expulsos de Portugal, da Espanha, da França, e de outros territórios, sem quaisquer reparações financeiras, culminando com a supressão oficial da Companhia de Jesus, com a bula Dominus ac Redemptor, de 21 de julho de 1773, do Papa Clemente XIV, um religioso submisso às pressões de diplomatas ibéricos.
Apesar dessa extinção oficial, a Sociedade de Jesus subsistiu na Rússia e em algumas províncias polacas da Rússia, sendo esses focos de resistência o fermento vital para a restauração da ordem dos jesuítas, no bojo das mudanças das cortes europeias pós-guerras napoleônicas, quando o Papa Pio VII, em 7 de agosto de 1814, entregou a bula da restauração a velhos padres jesuítas.
Durante os séculos XIX e XX, a Societas Jesu volta a crescer, alcançando o seu ápice por volta da década de 1950, quando passou a sofrer com o declínio das vocações sacerdotais, de um mundo cada vez mais laicizado. Mesmo assim, os jesuítas compõem a maior ordem religiosa católica, com quase vinte mil membros distribuídos em mais de uma centena de países nos cinco continentes.
Além da tradicional atuação missionária, a Companhia de Jesus mantém estreito vínculo com o ensino, dispondo de centenas de colégios, faculdades e universidades, zelosamente administrados por clérigos, costumeiramente conhecidos pela demorada formação recebida, que os coloca entre os intelectualmente mais preparados servidores da Igreja Católica.
O voto de irrestrita obediência ao papa de Roma, um postulado das constituições jesuíticas desde os primeiros inacianos, não colide com a autoridade exercida pelo Superior Geral, dito o “papa negro”, em alusão ao hábito preto adotado pela ordem. Por outro, a Sociedade de Jesus dispõe seus membros ao inteiro serviço da Igreja, como verdadeiros soldados de Cristo, mas sempre relutou a que seus efetivos ocupassem cargos dignatários da carreira eclesiástica, o que não surpreende a raridade de bispos ou cardeais pinçados de suas fileiras, sendo ainda mais intrigante, na visão humana, a escolha de um papa jesuíta, o que fala a favor da manifestação redentora do Espírito Santo, agindo na Igreja de Cristo.
Seguramente, o grande princípio inaciano Ad maiorem Dei gloriam (para a maior glória de Deus) balizará o trabalho pastoral do Papa Francisco, conduzindo suas ovelhas por verdes pastagens. Ao que se depara, de suas primeiras intervenções, o novo pontífice tem uma mente jesuíta, mas alberga um coração seráfico.
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Integrante da Sociedade Médica São Lucas

* Publicado In: Boletim Informativo da Sociedade Médica São Lucas, 9(68): 2-3, abril de 2013.

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